Violência sexual em casa

Especialistas debatem, em dois congressos na capital, prevenção a abusos de crianças e adolescentes. Estudo revela que pais e padrastos são responsáveis por 51% dos crimes

Paulo Henrique Lobato


Marcos Michelin/EM/D.A Press
Encontro brasileiro e internacional sobre ofensas sexuais reúne na Faculdade de Medicina da UFMG médicos e pesquisadores de vários países

O crime cometido pelo austríaco Joseph Fritzl, de 73 anos, condenado em março à prisão perpétua, sob a acusação de violentar a própria filha durante mais de duas décadas, período em que teve sete filhos com ela, foi destaque nas páginas dos principais jornais do mundo. Os dias e as noites de terror enfrentados pela vítima, que passou boa parte da vida trancafiada num escuro porão da casa do europeu, ocorreu na cidade de Amstetten, mas o monstruoso caso ilustra bem uma pesquisa debatida ontem na abertura do 2° Congresso Brasileiro sobre Ofensas Sexuais e do 2° Congresso Internacional sobre Ofensas Sexuais, que se estendem até amanhã na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo mostra que os pais são os principais responsáveis pelas ocorrências de incesto na Região Sudeste do país.

O levantamento, feito pelo Centro de Estudos e Atendimentos Relativos a Abuso Sexual, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento de Ofensas Sexuais (Abtos), abordou 267 casos que chegaram ao conhecimento da Justiça de São Paulo desde 1999. E 33% desses crimes foram cometidos pelos pais. Os padrastos vêm a seguir, com 18%. Apesar de a pesquisa ter sido feita no estado vizinho, o psiquiatra e presidente dos congressos que ocorrem em BH, José Raimundo Lippi, diz que o levantamento “reflete uma realidade também da Região Sudeste em geral”.

E acrescenta: “Como o tema ainda é um tabu no Brasil, não temos muitas estatísticas sobre o assunto. Mas, se fizermos uma projeção, considerando pesquisas recentes na Europa, os números seriam alarmantes”. Ele cita uma sondagem do Instituto Ipsos na França, na qual 19 milhões de habitantes conhecem uma vítima de incesto. A pesquisa da USP também levantou a autoria de quem procurou a polícia para informar o crime: 48,3% das denúncias foram feitas pelas mães das vítimas. Outras 23,6% pelo abusado ou abusada.

O especialista concluiu que o incesto, além de crime, é “um problema de saúde pública pela alta incidência e pelas graves conseqüências que geram à coletividade”. Lippi diz que não basta prender o autor: “É necessário tratá-lo. Em muitos casos, os autores são portadores de transtorno de personalidade antissocial (sociopata) ou de preferência sexual (parafilias)”.

Ontem, na abertura dos congressos, o canadense William Marshall, presidente da Associação Internacional de Tratamento a Ofensores Sexuais (Iatso) e um dos maiores especialistas mundiais no assunto, destacou que “há um alto percentual de distúrbio entre aqueles que cometem o incesto”. Especialistas alertam que várias situações podem denunciar o abuso sexual sofrido, principalmente por crianças, entre elas mudanças no comportamento, alterações no sono, queda no rendimento escolar e medo de ficar sozinha com adultos. Urinar na cama enquanto dorme e irritação nos órgãos genitais também podem ser indícios de que alguma coisa vai mal.

PEDOFILIA A Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas aprovou ontem o Projeto de Lei 3.142/2009, do deputado Célio Moreira, instituindo a semana de combate à pedofilia. Se o texto for aprovado pela Casa e sancionado pelo governador Aécio Neves, ela será realizada sempre na segunda semana de maio. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a pedofilia como, simultaneamente, doença, distúrbio psicológico e desvio sexual.

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