Trabalhadores brasileiros ainda esperam por alforria
Maria Amélia Bracks Duarte -Procuradora do trabalho em Minas Gerais
No dia 13 de maio celebra-se a libertação dos escravos. Aprendemos no antigo curso ginasial que a princesa Isabel lutou contra as forças conservadoras do império para que fosse assinada a Lei Áurea, em 1888, e tornasse homens e mulheres, negros e brancos, iguais em direitos. Mais de 100 anos depois a escravidão tornou-se democrática: não escolhe cor. Tanto que, no fim de abril, em Limeira do Oeste, Triângulo Mineiro, 184 pessoas foram encontradas trabalhando no cultivo de cana-de-açúcar, em situação análoga à de escravo. Homens, mulheres e crianças foram aliciados de outros estados e transportados como animais em carrocerias de caminhões, rompendo fronteiras para trabalharem sem segurança, higiene e água potável, em troca de catres imundos e comida fria. A fiscalização constatou que trabalhavam até 30 horas seguidas, sem folga semanal. Revela-se, então, a servidão por dívida: não têm como voltar ao domicílio de origem, continuam devendo ao senhor feudal, dono das terras e, sem direito de ir e vir, são obrigados a permanecer como escravos produtivos.
Não há um dia em que não se noticia a libertação de trabalhadores submetidos a condições degradantes, equivalentes ao período que antecedeu a Lei Áurea, no Brasil: colonos trabalham nos fornos da olaria e cozinham a cerâmica, os tijolos, os seus pulmões e os olhos, já que alguns ficam cegos. O artigo 149 do Código Penal se refere à redução da pessoa à condição análoga à de escravo, quer submetendo-a a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-a a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. O art. 197 trata do constrangimento ilegal e o 203 tipifica a frustração de direito assegurado por lei trabalhista. Os estados do Mato Grosso do Sul e do Pará são recordistas em relatos vergonhosos de crimes contra a organização do trabalho, de desrespeito aos direitos humanos. Pessoas são resgatadas na mata, em barracões de lona, sem paredes; submetendo-se a picadas de insetos e ataques de animais; a água vem de tonéis que estocavam produtos químicos.
A expansão do setor sucroalcooleiro tem gerado problemas trabalhistas e sociais, tanto nas usinas como nas fazendas que fornecem a cana-de-açúcar, inclusive com a exploração do trabalho infantil e indígena. Às vésperas do 13 de maio, os escravos modernos continuam produzindo a riqueza do Brasil. Em vez de correntes nos pés e açoite nos troncos, a humilhação da segregação, a vergonha da exclusão social, a esmola de uma cesta básica, a doença sem assistência médica, a ausência de cidadania. Os trabalhadores do Brasil ainda esperam a sua carta de alforria.
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