No Rio de Janeiro, o recurso judicial foi impetrado por um deputado estadual, que questionou a constitucionalidade de uma lei, aprovada no ano passado pela Assembleia Legislativa, que estabelece cotas para deficientes físicos e para filhos de bombeiros, policiais civis e militares e inspetores de segurança e administração carcerária mortos em serviço ou incapacitados em razão de serviço. Em 2002, a Assembleia fluminense já havia aprovado uma lei impondo as chamadas "cotas raciais e sociais" nas três universidades públicas estaduais.
Ao fundamentar a concessão da liminar, o desembargador Walmir de Oliveira e Silva criticou a legislação fluminense sobre cotas, alegando que, além de ferir o princípio da igualdade consagrado pela Constituição de 88, ela não prevê critérios objetivos para avaliar o conhecimento dos candidatos cotistas. Não se trata de um fato isolado no Estado. Só a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que reserva 45% de suas vagas a alunos cotistas, responde anualmente a cerca de 400 processos judiciais, em média. Eles são impetrados por estudantes não cotistas que não conseguiram se matricular, apesar de terem obtido pontuação maior que a de cotistas aprovados nos vestibulares da instituição. Em 2006, um vestibulando de medicina obteve 91 pontos e não conseguiu ser aprovado - e um cotista ingressou no curso de relações públicas com apenas 50 pontos.
No TRF da 2ª Região, o recurso foi ajuizado por 15 estudantes que também obtiveram média para passar no vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 2007, mas não puderam se matricular, preteridos por cotistas. A instituição reserva 40% de suas vagas a alunos oriundos de escolas públicas e que tenham renda familiar mensal de até sete salários mínimos. Em seu voto, a relatora do processo, desembargadora Lúcia Lima, afirmou que as cotas comprometem o princípio do mérito no acesso ao ensino superior público. Para ela, o mais adequado para se promover justiça social seria conceder bolsas de estudo para estudantes carentes ou pobres, em vez de prejudicar "estudantes que, por circunstâncias de vida, tiveram oportunidade de estudar em uma instituição de ensino particular".
Na comunidade acadêmica e nos meios políticos, a reação às duas liminares foi a esperada. A Procuradoria-Geral do Estado do Rio prometeu entrar com embargo de declaração, assim que a decisão dos desembargadores for publicada. A Assembleia Legislativa também prometeu recorrer, alegando que a lei por ela aprovada é constitucional. O ministro da Igualdade Social, Edson Santos, afirmou que o Órgão Especial do TJ-RJ teria agido com inusitada rapidez no caso. "Estranhei a celeridade na votação. Uma questão como essa, com impacto social tão grande, não pode ser decidida por liminar", disse ele. Por sua vez, as três universidades estaduais fluminenses alegam que a decisão do TJ-RJ exigirá alterações no vestibular programado para novembro.
Como também já era esperado, a Ufes e as três universidades estaduais fluminenses agora têm de enfrentar tensões causadas pelo acirramento da discriminação racial. Os alunos cotistas são malvistos pelos não cotistas, enquanto os estudantes beneficiados por liminares são criticados pelos cotistas. Esse é o tipo de problema que, tendo começado pela equivocada tentativa de democratizar o acesso ao ensino superior com base em critérios como etnia, cor da pele e origem socioeconômica - quando o mais sensato era combater o péssimo nível do ensino fundamental e do ensino médio -, pode levar ao segregacionismo e à eclosão do ódio racial num país que, apesar de suas iniquidades, sempre se caracterizou pela miscigenação e pelo convívio harmonioso de pessoas de todas as nacionalidades, cores e religiões.
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