mauricio.lara@uai.com.brCoitado do pernambucano Lucimário. Como bom nordestino, ele migrou em busca de trabalho. Foi parar no Sul de Minas, em Muzambinho. É comum os migrantes não voltarem, pelas mais variadas razões, e Lucimário não voltou. Ele ficou 14 anos fora de casa e, durante seis deles, esteve entre a cadeia de Extrema e clínicas psiquiátricas. Ficou pagando pelo crime de outro Lucimário, também pernambucano, também migrante, que tinha participado do assassinato de outro nordestino, em 1996.
Lucimário por Lucimário, ninguém viu a diferença e fizeram cumprir o mandado de prisão em Muzambinho. O acusado errado foi parar em Extrema, para pagar pelo crime que não cometeu. O outro, o verdadeiro culpado, tinha fugido para o Pernambuco, onde morreu em 2005, de morte matada, sem conhecer a prisão da cidade mineira em que aprontou e sem saber que tinha um outro pernambucano preso em seu lugar.
Não se sabe por que o Lucimário inocente não voltara antes de ser preso. Migrou, provavelmente encontrou trabalho e foi ficando. Funciona assim mesmo. Um dia, foi confundido com um criminoso e ficou por isso mesmo. É assim que funciona. Quando foi preso, não tinha documentos, mas como era Lucimário, foi de braços dados com dois soldados. Reclamar com quem, reclamar onde, reclamar de quê? O pernambucano tinha total razão, mas ficou preso assim mesmo, em cela isolada, por causa de seus problemas.
No caso de Lucimário há uma agravante, não para o crime que ele não cometeu, mas para as circunstâncias de sua vida. Ele tem problemas mentais e, além de ser um daqueles cidadãos menos iguais do que os outros, porque pobre e sem vez, não tem sequer a força do argumento. A carapuça da culpa serviu na cabeça do inocente e ficou por isso mesmo.
O defensor público Régis Lemos Júnior, que “descobriu” o injustiçado na cadeia, diz que ninguém “cobrou” os documentos daquele preso. Ele conta que é difícil conversar com Lucimário. Ele só repete: “Lucimário, Lucimário, Lucimário”... O defensor público teve a idéia de pedir que ele escrevesse seu nome. E ele escreveu a primeira pista: Lucimário José de Lira. Ora, o verdadeiro culpado era Lucimário José da Silva. Pediu para escrever o nome de sua cidade natal. Ele escreveu: Bezerros. Segunda pista, porque o outro Lucimário nascera em Custódia, no mesmo estado.
A partir daí, o defensor seguiu a linha da origem de um e de outro e entendeu o erro grosseiro que tinha sido cometido. Lucimário nunca teve argumentos, mas como contra fatos não há argumentos, ele foi solto e está em casa, com a família, que já o considerava morto. Viajou de avião, com passagem custeada por cidadãos de Extrema.
Lucimário, o inocente, ficou seis anos preso, porque não sabia conversar direito e, também, porque ninguém se interessou por ele. Ninguém notou sua presença, como não é comum notar-se a presença dos migrantes que não passam de mão-de-obra barata.
Felizmente, um detetive chamado Dante percebeu alguma coisa estranha: Lucimário nunca recebia visitas, nem cartas. Ninguém, mas ninguém mesmo, sabia dele, nem ele mesmo. O defensor Régis resolveu investigar um pouco e montou o quebra-cabeças. Ao que tudo indica, o único crime de Lucimário foi ser xará de alguém que cometeu um crime. Foi preso sem documentos, sem ser corretamente identificado e, de sua cela isolada, só sabia repetir: “Lucimário, Lucimário, Lucimário...” Pobre Lucimário.
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