Moonshot Pictures/Divulgação | | O ator Michel Gomes, que atua em grupos de teatro da periferia do Rio, vive Sandro do Nascimento em Última parada 174 | O Brasil inteiro parou diante da televisão na tarde de 12 de junho de 2000, para acompanhar o seqüestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro. Em plena luz do dia, o adolescente de rua Sandro do Nascimento entra armado no coletivo, rende os passageiros e, por quatro horas, aterroriza todas as vítimas com ameaças de morte. A polícia cerca o local e, depois de inúmeras tentativas, sem sucesso, de reverter a situação, o final é trágico: uma mulher feita refém e o jovem são mortos. Além da versão oficial e das imagens ao vivo pela TV, o país conheceu outro lado da história no documentário Ônibus 174, de José Padilha, que contou a trajetória de discriminação, prisão e exclusão do assaltante.
Chegou a vez de a ficção dar sua contribuição ao episódio com o novo filme de Bruno Barreto, Última parada 174, previsto para chegar ao circuito comercial em outubro e que, antes disso, participa da programação de festivais. “É o filme da minha vida”, anuncia o diretor, responsável pela realização de outros 18 longas. Amanhã, ele chega a Belo Horizonte para antecipar dados do projeto e conversar com o público, na Academia de Idéias.
Produzido pela Moonshot Pictures, escrito por Bráulio Montovani (o mesmo de Cidade de Deus), Última parada 174 não coloca – como foi feito até agora – a violência como protagonista do processo. O que mais despertou a curiosidade de Bruno Barreto foi a imagem do enterro do seqüestrador Sandro do Nascimento: somente a mulher que adotou adolescente acompanhou o caixão. Não saía uma única lágrima de seus olhos, talvez influenciada pelas lentes das câmeras e pela opinião pública, que passou a tratar o jovem como um monstro. “Quando vi o documentário, fiz muitas perguntas: Por que ela adotou aquele filho? Por que estava sozinha naquele enterro?”, lembra Barreto.
Marisa, a mãe adotiva, no filme interpretada pela paulista Cris Viana, é uma doméstica da periferia que, para sobreviver, deixa o filho Alessandro (Marcelo Melo) todos os dias com o vizinho. Um dia todos desaparecem e, desde então, ela fica obcecada em encontrá-lo. Ao saber da chacina da Candelária, observa que um garoto chamado Sandro não havia morrido. Vê semelhanças com o seu filho e resolve procurar e adotar o menino.
Várias versões Bruno Barreto descobriu o fato por acaso e lhe pareceu tão forte que resolveu basear o projeto no gesto de Marisa. “Meu filme é a história de uma mãe que perde o filho e de um filho que perde a mãe. A violência aparece como pano de fundo, não como protagonista. O episódio do ônibus 174 é só um catalisador de tudo aquilo”, conta. Ao pesquisar as várias versões e situações em torno do crime, Barreto percebeu que a realidade, muitas vezes, pode ser tão absurda que apresenta mais surpresas que respostas. “É quase um dever da ficção contribuir para a interpretação da realidade. Ela nos ajuda a sair de um estado de perplexidade que nos paralisa. A ficção tem a função de entender o real, até para nos ajudar a fazer algo para mudá-lo.” A maior lição que tirou do episódio e do processo de pesquisa, desenvolvido nos últimos cinco anos, é que, em situações de risco como aquela, não existe apenas um culpado: todos são vítimas. Houve outros aprendizados: “A vida é frágil. Temos que ter delicadeza e prudência com os outros. Mesmo com todos os cuidados, o imprevisível pode ocorrer. No caso do ônibus 174 houve uma comédia de erros”, reforça o cineasta.
Filmado entre meados de julho e setembro do ano passado, Última parada 174 foi rodado em oito semanas em diversas locações no Rio de Janeiro. Não houve maiores problemas no processo, à exceção da reconstituição do seqüestro. “Filmamos no local, na Rua Jardim Botânico, em frente ao Parque Lage, e tivemos que parar inúmeras vezes o trânsito. Como o seqüestro começou à tarde e se prolongou até o início da noite, fizemos em etapas, inclusive nos fins de semana.”
O maior desafio do projeto foi encontrar os protagonistas. “Os atores são os principais elementos do longa-metragem”, diz o diretor, que foi em busca de nomes desconhecidos em grupos de teatro da periferia carioca. “Os atores estão ótimos”, afirma. Para garantir maior veracidade à reconstituição do crime, as cenas ficcionais foram montadas lado a lado com as reais, retiradas da cobertura feita pelas emissoras de televisão. “Há horas que será difícil separar uma coisa da outra. Não amenizei nada. Pelo contrário. As poucas pessoas que viram acharam o resultado um soco no estômago. Mas, ao final, encontrei uma forma de, pelo menos de maneira sutil, deixar um fio de esperança”, conclui Bruno Barreto.
"É quase um dever da ficção contribuir para a interpretação da realidade. Ela nos ajuda a sair de um estado de perplexidade que nos paralisa. A ficção tem a função de entender o real, até para nos ajudar a fazer algo para mudá-lo" - Bruno Barreto, cineasta
ÚLTIMA PARADA 174
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