Vamos repensar?

Ana Leão
Coordenadora-executiva do Projeto AjudaBrasil e consultora especializada em marketing, direitos humanos e dependência química

É preciso refletir sobre o papel social de cada um.
O ser humano precisa construir o seu novo ser. Atualmente, temos um grande desafio na vida: construir o novo ser com espírito ético, fraterno e voltado para o resgate da segurança social. A realidade nua e crua: dois terços da população mundial vivem em condições de pobreza absoluta e cerca de 20% desse contingente passa fome. Isso mesmo: fome!

Sabemos que o número de pobres é um bom instrumento para se avaliar o desenvolvimento humano. Segundo o Monitor da Pobreza do Banco Mundial, o número de pessoas que vivem na pobreza extrema (renda inferior a US$ 1 por dia) continua aumentando absurdamente. Esse quinhão de pessoas desprovidas de qualquer condição de sobrevivência atingiu a triste marca de 1,2 bilhão de miseráveis em 1987. Em 2001 chegamos a 2,7 bilhões, isso porque a previsão do Monitor era de 2 bilhões para 2015. Atingimos essa triste realidade muito mais rápida do que qualquer cálculo ou estudo matemático. Não há mais previsões certas nessa área, infelizmente. No Brasil temos cerca de 57,7 milhões de pessoas pobres, ou seja, 33,2% por cento da população é pobre ou miserável. Por outro lado, cada brasileiro paga R$ 6 mil por ano pela corrupção do país.

Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, com base em dados do Banco Mundial e da organização não-governamental Transparência Internacional, mostra essa dolorosa realidade. Isso tudo nos causa perplexidade ética, mas apenas a indignação, em maioria, não se transforma em ação. Ter boas intenções não basta! É preciso agir na busca do confronto contra todas as mazelas que ferem a ética do direito constitucional “dignidade da pessoa humana”, estabelecido no inciso III do artigo 1º da Lei Maior. A corrupção é uma torneira que esvai os recursos que poderiam salvar vidas, construir escolas, hospitais, fazer estradas para escoar a produção agrícola, preservar o meio ambiente, matar a fome do povo etc.

Ser ético é um grande negócio. A ética é um investimento que traz muitos frutos. Um professor de ética profissional, no Paraná, ao falar para empresários em um evento, citou “se você for correto na sua empresa, as pessoas vão ter confiança em você, no trabalho e no produto. O lucro aparece na seqüência”. Em matéria publicada em um periódico, a auditora-fiscal Ana Emília Baracuhy Cavalcanti diz que não existe um manual de procedimentos éticos, pois o comportamento ético é um “impulso natural por agir corretamente nascido da nossa livre compreensão das coisas.

É essencialmente espontâneo. É naturalmente orientado para não causar dor ou sofrimento e para fazer o bem sempre que possível. O respeito profundo por si e pelos outros é a base do comportamento ético”. Nesse sentido, várias empresas estão investindo cada vez mais na ética.

A ética passou a ser assunto discutido por toda a sociedade brasileira. Isso tudo se chama ética de responsabilidade solidária, que significa colocar-se no lugar do próximo. É se indignar com as minorias, os apartados da sociedade. É fazer algo para reverter a situação de vítima de todos aqueles sofredores da exclusão social. No livro Conversando sobre ética e sociedade, os professores Jung Mo Sung e Josué Candido da Silva definem que uma ação solidária é necessariamente uma ação coletiva expressa atualmente nos movimentos sociais em defesa dos mais fracos – movimento pelos direitos humanos, ecológico, de mulheres, índios, de combate à fome e outros que se baseiam numa nova ética social, a ética solidária. Eu já acredito que, mesmo que uma andorinha só não possa fazer o verão, ações individuais podem começar todo o processo.

E você? É necessário pararmos com a repetição irritante de botar a culpa de todas as mazelas da sociedade somente no governo. Vamos definir as expressões Estado e governo.

Para o professor e escritor, Hely Lopes Meirelles, o conceito de Estado varia conforme o aspecto em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é “a corporação territorial dotada de um poder de mando originário”; sob o aspecto político é “a comunidade de homens, fixados sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção”; sob o prisma constitucional, é “a pessoa jurídica territorial soberana”; na conceituação do Código Civil, é “a pessoa jurídica de direito público interno”. O governo, em sentido formal, é o conjunto de Poderes e de órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. O governo é um dos elementos do Estado. Os outros são território e povo.

Governo é a base condutora do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do povo.

Como vimos, governo é diferente de Estado. Governo deveria ser todos nós. Existe, assim, uma falsa imagem de todos sobre a diferença entre governo e Estado. Essa ignorância faz com que as pessoas se revoltem contra o Estado como se estivessem se revoltando contra o governo. Estragam telefones públicos, picham muros de escolas públicas com palavras de baixo calão, quebram ônibus, com o sentimento de que o bem público é daquele que exerce o governo. Por meio da conscientização da distinção entre governo e Estado, alguns males da sociedade podem ser resolvidos com a participação ativa da sociedade civil organizada. A ética e a responsabilidade social têm que ser repensadas em todos os seus aspectos. Vamos repensar?


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