Direito Autoral

Seminário promovido amanhã em Belo Horizonte discute pagamento de direitos autorais aos artistas. Categoria argumenta que ajuda a movimentar a economia com a indústria cultural
Ailton Magioli


É como se fosse obrigação criar e doar. Quer dizer, você paga pelo sanduíche, pela Coca-Cola, mas na hora de pagar o artista, se interroga


Ronaldo Bastos, presidente da União Brasileira de Compositores


Em momento oportuno, Belo Horizonte sedia a discussão de tema sobre o qual, segundo os principais envolvidos, o próprio governo insiste em se omitir. Promovido pela filial mineira da União Brasileira de Compositores (UBC), o seminário sobre gestão coletiva de direitos autorais de execução pública de obras lítero-musicais, que será realizado amanhã, no Teatro Dom Silvério, promete trazer à tona a dívida da sociedade para com seus criadores musicais, por mais que os palestrantes do evento sejam praticamente todos defensores de um mesmo ponto de vista.

Emissoras de rádio e televisão (incluindo as do poder público) têm direito de executar músicas e não pagar os direitos a seus autores? E a internet, que no momento hospeda movimento pró-liberação (www.creativecommons.org.br) de parte desses mesmos direitos, que papel terá nesse cenário? Segundo o compositor Ronaldo Bastos, diretor de comunicação e assistência social da UBC e um dos palestrantes do seminário, a oportunidade de trazer para Minas a discussão do tema é importante porque, além de tentar sensibilizar o atual governo para a causa, o estado sempre foi propagador da música de qualidade. Mesmo não conseguindo espaço na mídia para isso. “É inconcebível que a força da música mineira esteja sempre paralela ao mercado brasileiro, sem uma rede de distribuição própria”, protesta Ronaldo.

Com R$ 302 milhões arrecadados ano passado, dos quais R$ 250 milhões distribuídos entre seus titulares, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), com sede no Rio, vislumbra para este ano arrecadação de R$ 302 milhões, com R$ 120 milhões até maio. “Os direitos autorais são conquista do que entendemos por civilização, não só por permitir que artistas sejam remunerados pelo seu trabalho, mas por libertá-los dos patrões”, diz Ronaldo Bastos. “Quem cria arte contribui para a economia no mundo inteiro. É a indústria cultural, cujo alicerce está no criador, no direito autoral”, resume o compositor.

Para ele, hoje há uma espécie de preconceito, que insiste em inverter esta situação. “É como se fosse obrigação criar e doar. Quer dizer, você paga pelo sanduíche, pela Coca-Cola, mas na hora de pagar o artista, se interroga”, avalia Ronaldo Bastos, que acusa diretamente o atual ministro da Cultura, Gilberto Gil, de se omitir sobre o assunto. “Uma pessoa que se declara hacker ou é um idiota ou quer chamar a atenção para si”, diz a respeito do ministro, defensor do Creative Commons Brasil, que prega a transformação da idéia de “todos os direitos de autor reservados” em “alguns direitos de autor reservados”.

INTERVENÇÃO

“Um discurso desse, na verdade, sinaliza para a política de intervenção do estado em negócio privado”, acredita Ronaldo Bastos, ao lembrar que pioneiros como Pixinguinha, Braguinha e Dorival Caymmi, entre outros, acusados de “marginais” pela prática musical, tiveram de arriscar a própria obra para estabelecer um princípio no Brasil. “A luta por uma legislação autoral vem de gerações”, recorda, salientando que a atual inadimplência no setor é incompatível com um país civilizado. “Mais de 50% das rádios do Brasil não pagam direitos autorais. Assim como a grande maioria das televisões abertas e a cabo, incluindo a MTV, que vive de música e não paga”, denuncia o compositor.

Segundo Ronaldo Bastos, o Ministério da Cultura (MinC), que deveria ser o primeiro defensor dos artistas em direitos autorais, e o ministro Gilberto Gil, que é ligado à música e recebe direitos autorais, em vez de ajudar, estão prejudicando a categoria. “A nossa demanda é contra a inadimplência, mas até hoje, em seis anos do atual governo, ninguém pronunciou esta palavra ou sinalizou publicamente para as emissoras sobre o assunto”, protesta. “É inadmissível que tenhamos como ministro da Cultura uma grande figura da música popular fazendo declarações estapafúrdias”, acrescenta Ronaldo Bastos.

ARRECADAÇÃO

Integrado por 10 associações de autores (Abramus, Amar, Sbacem, Sicam, Socinpros, Abrac, Anacim, Assim e Sadembra, além da UBC), o Ecad é a única entidade autorizada no Brasil a promover o trabalho de arrecadação e distribuição dos direitos de execução musical pública no Brasil. Criado pela Lei nº 5.988 (1973), em 1998 (Lei nº 9.610), ele teve sua função confirmada, tornando-se referência. “Somos a única entidade do gênero no mundo a fazer a distribuição mensal dos direitos autorais”, afirma Márcio de Oliveira Fernandes, gerente-executivo de arrecadação. Segundo ele, recentemente o Ecad também lançou a solução-móvel, por meio da qual pode-se ter acesso ao sistema da entidade para a emissão de boleto e verificação da situação do usuário.

A conscientização e, conseqüentemente, a criação de uma cultura dos direitos autorais é um dos principais pontos da política de atuação do Ecad. “É necessário fazer as pessoas entenderem que elas estão utilizando um patrimônio que pertence a um titular, cujo uso depende de sua autorização”, explica Márcio Fernandes, lembrando que, além da TV aberta e a cabo, o segmento de hotéis é um dos maiores devedores dos direitos autorais no país. Como a entidade não tem poder de polícia, ela funciona como um substituto legal dos titulares do direito e, por conta disto, com poder de acionar judicialmente pessoas físicas ou jurídicas que utilizam publicamente a obra musical sem autorização.

Como a legislação de 1998 (Lei nº 9.610) já deixava claro o direito de o titular ser o praticante de seu próprio direito autoral, o gerente-executivo do Ecad não vê ameaça no Creative Commons, que, no Brasil, é sediado na Fundação Getúlio Vargas, do Rio. “O Creative é o contraponto ao direito dos titulares de não receberem. Para isso, basta eles comunicarem a cessão dos direitos à associação na qual eles estão inscritos”, explica Márcio de Oliveira Fernandes. “Só não podemos concordar que alguém chegue para destruir uma luta hercúlea”, acrescenta, lembrando que como a internet é mais uma forma de utilização da música, ela acaba sendo canal para mais usuários estarem sujeitos à solicitação de autorização para utilização das obras. Já em relação à pirataria, mesmo se posicionando contrário à sua prática, o Ecad não pode realizar qualquer procedimento que coíba a contrafação.

SERVIÇO

SEMINÁRIO DA UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES
Amanhã, das 9h às 18h, no Teatro Dom Silvério, Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi. Palestras de compositores e advogados ligados à UBC e de representantes do Ecad. Informações: (31) 2191-5700.

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