A moderna cidadania vai além do direito aos serviços de educação, saúde e segurança, obrigações básicas do Estado. O acesso a bens que proporcionam conforto, informação e lazer não pode mais ser encarado como simples sonho de consumo e, por isso mesmo, deixou de ser privilégio de reduzidas camadas da população. Animados pelo emprego e turbinados pelo crédito farto, milhões de brasileiros incorporaram, nos últimos anos, produtos que vão muito além dos itens básicos da alimentação e do vestuário. A geladeira já é presença em mais de 89% dos lares brasileiros. A TV é ainda mais importante na vida das pessoas, pois já serve a 93% das famílias. O Brasil chegou muito rápido aos 130 milhões de telefones celulares e os microcomputadores com acesso à internet caminham em alta velocidade rumo ao dia-a-dia dos brasileiros. Não foi à toa. Não se trata de uma coleção de supérfluos e, sim, de instrumentos de inserção no mundo moderno e do conforto a que todos que trabalham e têm crédito passaram a ter direito. Políticos mais sensíveis já perceberam que retirar essas conquistas terá preço alto demais, e é isso o que a volta da inflação está ameaçando.
Surpreendidos com a disparada dos preços, milhões de brasileiros que tinham ascendido às classes D, C e B de renda estão demonstrando com clareza o peso que esse novo mundo de inserção e conforto significa para eles. Como constata reportagem do Estado de Minas, a determinação individual de manter essas conquistas está levando o consumidor a economizar na qualidade da comida, atitude impensável antes do aporte tecnológico à vida da maioria. Mas essa reprogramação dos orçamentos domésticos não pode se sustentar se a inflação for longe demais. O risco de desequilíbrio dessas contas pessoais é enorme, e maior ainda será a frustração da população menos abonada de ver tudo ir por água abaixo. Para a economia brasileira significará o fracasso de ter alçado apenas mais um vôo de galinha. Tudo isso só aumenta a responsabilidade do governo, que, nesta hora, não pode se dar ao luxo de experiências mágicas ou de medidas heterodóxicas, como costumam sugerir uma parte dos técnicos oficiais, especialmente os mais próximos do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e da tradicional orientação do Partido dos Trabalhadores.
A boa notícia é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já compreendeu que não há cabo eleitoral mais eficiente do que o controle da inflação e todo aquele acesso ao consumo que alimentou a confiança e a alegria de milhões. Lula não é apenas um homem de sorte. Nas horas difíceis, ele tem sabido ouvir as pessoas certas. Manteve os fundamentos da economia, fortaleceu o Banco Central e descartou velhas bobagens como congelamento de preços e restrições diretas ao crédito. Sabe que aumentar a produção de alimentos ajuda a médio prazo, mas só resolve uma parte do problema. Só falta atacar a outra metade. As despesas correntes do governo têm crescido ao ritmo de 10% ao ano, ou seja, o dobro da economia. O máximo de esforço oferecido até agora é um pequeno aumento do superávit primário, que passará de 3,8% para 4,3% do PIB. É pouco. Lula ainda tem tempo para ir mais longe e fazer ajuste em regra das contas públicas. Como recompensa, pode chegar ao fim de seu mandato, em 2010, com aqueles milhões de brasileiros acondicionando comida de alta qualidade na geladeira nova. |
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