DragaBras

Carlos Alberto Di Franco - Professor de ética, doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha)
Três magistrados da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveram um condenado em primeira instância por porte de 7,7 gramas de cocaína. O autor da polêmica decisão foi o juiz José Henrique Rodrigues Torres, que considerou inconstitucional o artigo 28 da Lei 11.323/06, que criminaliza, embora de maneira mais branda, o porte de drogas ilícitas. A decisão, por óbvio, cairá no Supremo Tribunal Federal (STF), pois a inconstitucionalidade ou não de uma lei não poderia ser feita nessa instância. O objetivo, certamente, foi provocar polêmica e levar o assunto para a agenda da mídia.

A decisão reforça o discurso do lobby pró-legalização. Repercutiu-a, de imediato, a jurista carioca Maria Lúcia Karan. Em recente entrevista, Karan defendeu a descriminação do uso de drogas com um entusiasmo inusitado: “A descriminalização significa reafirmação da liberdade individual (...). É preciso descriminalizar e legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas”. Só faltou sugerir a criação de uma drogabras. Paira no ar a pergunta óbvia: será que Fernandinho Beira-Mar forneceria ao governo as drogas que seriam repassadas aos usuários?

A decisão do magistrado, certamente bem-intencionada, mas influenciada pelos fundamentalistas do lobby pró-liberação, foi tomada de costas para a dura realidade da dependência química. A descriminação das drogas, sobretudo da maconha, não ajudará em nada. Ao contrário. Como afirmou o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), “os artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco de os jovens desenvolverem doenças mentais”. E sublinhou o especialista: “Do meu ponto de vista, essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termos de aumento de quadros psiquiátricos”. Não considero correto fazer jornalismo opinativo desvinculado da realidade dos fatos. Por isso, conversei com especialistas, ouvi relatos de dependentes químicos, conheci serviços especializados e comunidades terapêuticas que apresentam elevados índices de recuperação. Mas o que mais me impressiona é o depoimento daqueles que sofrem a tragédia da dependência química. Suas declarações não têm o tom maneiro de certos textos de gabinete, mas transmitem a força persuasiva do sofrimento vivido.

“Sou filho único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos, comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava medicina e convenci os meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Depois desta fatalidade, decidi me internar em uma comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque.” A.S.N, médico, ex-interno na Comunidade Terapêutica Horto de Deus, Taquaritinga, interior de São Paulo (www.hortodedeus.org.br). O dependente químico não deve ser tratado como criminoso. Não o é. Precisa ser ajudado, apoiado, tratado. Outra coisa, totalmente diferente, é a defesa da descriminação. A dependência química não admite romantismo. Reclama, sim, seriedade e realismo.

Nenhum comentário: