Herança Maldita

Em todo o mundo, há 110 milhões de minas terrestres plantadas e outras 250 milhões estocadas
Otacílio Lage - Jornalista
No Brasil, a data passou em branco: 4 de abril foi o “Dia internacional para a conscientização contra as minas terrestres e de assistência à desminagem” – felizmente, o nosso país não é belicista. O Tratado de Ottawa proíbe o uso deses artefatos bélicos, sua produção, estocagem e transferência. Em 2007, o acordo foi assinado por 157 países, com 38 recusando-se a fazê-lo, entre os quais os Estados Unidos, Cuba, Rússia, Índia e China. Embora existam mais de 350 variedades de minas, elas podem ser reduzidas a duas categorias: antipessoal (AP) e antitanque (AT). A função básica das duas é a mesma, mas há algumas diferenças primordiais entre elas. As antitanques são geralmente maiores e contêm quantidade elevada de explosivo, que pode destruir um veículo militar ou um caminhão convencional, mas elas exigem uma pressão maior para ser detonada. A maioria dessas minas é encontrada em estradas, pontes e grandes áreas livres, por onde tanques podem transitar, e em terras boas para a produção de alimentos. O pior é que elas podem permanecer ativas por mais de 50 anos depois de serem plantadas no solo.

Em números, as minas terrestres assustam: US$ 33 bilhões – custo para remover todas elas mundo afora, se nenhuma outra for plantada a partir de agora; 250 milhões – estoque delas no planeta; 110 milhões – total plantado; 2,5 milhões – número de novas plantadas a cada ano; 1 milhão – pessoas mortas ou mutiladas, desde 1975; 100 mil – os norte-americanos mortos ou feridos no século 20; 26 mil – pessoas mortas ou mutiladas, anualmente; 350 é número mínimo de tipos; 70 – pessoas mortas ou feridas diariamente; 80 mil – número de mutilados em Angola, onde há 2,2 milhões de pessoas (20% da população) ainda expostas a mais de 8 milhões de minas plantadas; US$ 3 – preço do tipo mais barato.

A utilização de minas terrestres antipessoais durante os conflitos armados continua a provocar milhares de vítimas em todo o mundo. Militares, civis e crianças são mortos ou mutilados por esse cruel dispositivo bélico. As minas antipessoais condenam inocentes a uma vida de dificuldades. Acabar com esse flagelo é um desafio dos governantes mundiais de bom senso. Em 2006, 5.751 pessoas, em 68 países e regiões, foram vítimas de delas, explosivos remanescentes de guerra, segundo o relatório de 2007 da Landmine Monitor, uma organização não-governamental (ONG), divulgado pela Campanha Internacional para Banir as Minas – 1.367 morreram e 4.296 ficaram feridas. No entanto, o número real é certamente mais elevado, pois a coleta de dados é insuficiente ou inexistente em pelo menos 64 dos países onde se registaram explosões desses artefatos. No mesmo ano, e à semelhança de períodos anteriores, os civis perfazem 3/4 dos casos registados, e as crianças representam 34% dos incidentes. Em alguns casos, elas são as maiores vítimas dessa tormenta continuada. No Afeganistão, elas representam 59%; no Nepal, 53%; e na Somália, 66%. Meninos entre cinco e 14 anos, por se deslocarem mais que as meninas, são os mais atingidos, respondendo por 89% dos casos. Apenas 24% dos acidentes ocorrem com militares, graças, obviamente, ao treinamento que recebem, embora o maior objetivo das minas antipessoais seja evitar o avanço de carros de combate ou de tropas em área de guerra.

Na América do Sul, as minas terrestres poderiam estar distantes do mapa do subcontinente. Mas o infindável conflito entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) insere a América do Sul nessa tenebrosa estatística. Só em 2006, foram mais de 300 mortes causadas pela explosão de minas. Em 2007, dos episódios envolvendo militares em todo o mundo, 57% deles ocorreram no país vizinho – sem ele, apenas 12% afetariam militares. Outros fatores levaram a que se registrasse uma maior percentagem de baixas militares provocadas por minas terrestres: o crescente conflito no Paquistão, em Mianmar, na Índia, no Paquistão, no Chade e na Somália. No Líbano, o número de casos registrados em 2006 foi 10 vezes superior ao de 2005.

Forças militares utilizam diversos tipos de máquinas limpa-minas para separá-las ou detoná-las, algumas especialmente projetadas para a tarefa de limpeza de terreno, enquanto tanques também podem ser equipados com certos dispositivos para essa tarefa. Há diversos tipos: as novas são guiadas por controle remoto, o que minimiza o risco ao pessoal. Utilizam uma das três técnicas existentes: correntes que batem no solo, rolos para passar por cima, detonando-as, e ancinhos ou lâminas para sulcar a terra em campos minados, empurrando os artefatos para o lado. Hoje, as minas são colocadas a um ritmo 25 vezes mais rápido do que são removidas – a desativação de uma unidade custa US$ 1 mil. Novas tecnologias tornarão mais fácil sua localização, mas não podem evitar que sejam plantadas. Na Ásia, na África, na Colômbia, no Iraque ou no Oriente Médio, os estoques delas nos paióis militares de muitos países não pára de crescer, apesar dos apelos de nações pacíficas, da Organização das Nações Unidas (ONU) e de ONGs , à frente a Human Rights Watch.

A maioria desses países que têm minas terrestres instaladas em seu subsolo é pobre, com a população em franco crescimento, o que exige maior produção de alimentos. Mas suas melhores áreas cultiváveis estão minadas, como é o caso de Angola: de 10 milhões das minas instaladas durante os 27 anos da guerra civil (1975/2002), apenas 58 mil foram desativadas, em 10 anos. Lamentavelmente, é utópica a idéia de que a humanidade ficará livre dessa maldita herança, a curto e médio prazos. Certo é que a vida de soldados e civis nesses países belicistas continua valendo muito pouco, com a morte aguardando apenas que um deles dê o próximo passo.


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