"Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões". É o que afirmava Nelson Mandela, quase vinte anos atrás. Se o retrato do que acontece atrás das grades de uma prisão é o espelho de uma sociedade, o Brasil pode entender a barbárie da qual se queixa nas ruas. Dentro das cadeias é ainda pior.
Mais de 420 mil presos sobrevivem amontoados em porões, corredores, pátios e celas inseguras e fedorentas. Presídios denominados de "segurança máxima" onde de "máximo", só tem o absurdo do crime organizado por grupos bem aparelhados que, mesmo sob a custódia do Estado, continuam amedrontando a sociedade de dentro para fora. Armas, droga, celulares e muito dinheiro sempre encontram entrada franca e esconderijo seguro nessas masmorras, onde a lei do mais forte é a única lei e o dinheiro o melhor passaporte de entrada. As exceções são raras. Como raras são as possibilidades do sistema penitenciário ressocializar ou reeducar, como manda a Lei, aqueles que por tempo determinado foram privados de sua liberdade.
Bonito é o propósito da Lei de Execuções Penais e bonitas são as inúmeras Leis que garantem a todo brasileiro, sem distinção, cidadania e direitos iguais. Pelo menos no papel. Enquanto isso, conforme dados oficiais, 7 em cada 10 que são soltos por terem cumprido a pena, acabam voltando à prisão por novos delitos. "As pessoas cometem crimes e vão parar no sistema prisional, exatamente para que possam ser reeducadas ou ressocializadas, mas elas acabam saindo muito piores e muito mais violentas. Então, o sistema prisional acaba sendo um grande reprodutor, uma incubadora de violência que vai se refletir na sociedade." É a fria conclusão de Ariel de Castro Alves, coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Os próprios reincidentes explicam seu comportamento como decorrência das dificuldades que enfrentam ao serem soltos. Eles se queixam do preconceito que a sociedade, em particular os empregadores, têm contra os egressos do sistema prisional e do fato de não terem recebido treinamento profissional na cadeia para poder encontrar trabalho com maior facilidade, após o cumprimento da pena. E, nesse círculo vicioso, na melhor das hipóteses, o Brasil poderá contar daqui a um ano com uma população carcerária de mais de meio milhão.
Mais assustadoras sejam, talvez, as estatísticas que colocam além de 70% da população carcerária na faixa entre 18 a 27 anos. Diante disso já estão sendo planejados presídios exclusivos para jovens entre 18 e 24 anos. É o caso do Ceará onde foram liberados quase 20 milhões com essa finalidade.
O certo é que, para prender atrás das grades, dinheiro não falta. Quase 550 milhões é quanto o Governo Federal planejou investir em 2008 no sistema penitenciário. Aproximadamente 320 milhões para a construção de novos presídios e gerar assim 11.751 vagas. O triplo de quanto foi gasto no ano de 2007. O problema é que para dar conta do déficit de mais de 270 mil vagas seriam necessários pelo menos 6 bilhões. "E, ainda assim, daqui a 5 anos teríamos déficit de novo". As informações são do diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, Maurício Keuhne.
Enquanto o Governo Federal derrama quantias fabulosas para manter em vida um sistema falido, o Legislativo tenta ludibriar a população mal informada e assustada pelo sensacionalismo de certa mídia, com algumas reformas na jurisprudência penal homologadas a toque de caixa pelo Executivo. O futuro bem próximo parece não ser ainda tão promissor. A não ser que haja quem pense que a segurança e tranqüilidade da sociedade dependem da quantidade de brasileiros atrás das grades.
Por fim, sem com isso criminalizar a pobreza, uma coisa é certa: segurança e tranqüilidade não podem ser tratadas como "caso de polícia". Nem tampouco a dependência química que arrasta nossa juventude pelos caminhos da delinqüência. E as políticas de educação e de emprego?
É público e notório que a ausência ou as falhas das políticas públicas de responsabilidade federal, estadual ou municipal, sempre serão terreno fértil para todo o tipo de violência que não se neutraliza simplesmente com a repressão policial. Já o combate efetivo ao tráfico de armas e droga ou, quem sabe, uma assepsia radical nas "bandas podres" de todos os poderes, isso sim deve ser tratado de imediato, como caso de polícia. E que, atrás das grades, esses bandidos do "colarinho branco" tenham a oportunidade de aprender o que não deu tempo de aprender nos bancos das faculdades.
* Coordenador da Pastoral Carcerária do Ceará -http://www.combonianosbne.org/
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