Saúde mental: 30 anos em reforma

Manto da Apresentação do Artista Plático Artur Bispo do Rosário
Gilda Paoliello, Secretária Regional Sudeste da Associação Brasileira de Psiquiatria

A reforma da assistência em saúde mental, iniciada no estado há exatamente 30 anos, é um importante processo para a considerável parcela da população que sofre com as doenças mentais. Depois de anos de tratamento asilar em “depósitos de loucos” – alguns hospitais tinham até 4 mil pacientes –, os portadores de transtornos psiquiátricos poderão recuperar sua dignidade. Essa mudança ocorreu depois da intervenção de alguns profissionais de saúde mental, apoiados por familiares, pacientes e imprensa. O desenvolvimento de novos medicamentos, mais eficazes e com menos efeitos colaterais, contribuiu muito com o processo. Além disso, a interlocução da formação, ensino e assistência nos serviços públicos elevou o nível dos projetos terapêuticos.

Hoje, a ciência está mais próxima da vida real e pode contribuir com o aperfeiçoamento do sistema de saúde. Três décadas depois, os grandes manicômios foram fechados. Apesar disso, ainda não surgiram serviços que os substituam com qualidade e que aproximem o doente da sociedade, contribuindo na luta contra o preconceito que oprime os pacientes. Os centros de atenção psicossocial (CAPS), as unidades psiquiátricas em hospital geral, as residências protegidas e a inserção da saúde mental na atenção primária são essenciais para melhorar o tratamento e recuperar a dignidade de pacientes e profissionais de saúde. Por isso precisam ser incentivados.

Em Belo Horizonte, os leitos psiquiátricos não têm sido estabelecidos. Recentemente, a prefeitura negou o reconhecimento de 18 leitos já definidos para o Hospital das Clínicas da UFMG. Além disso, o único hospital-geral da cidade que conta com enfermaria psiquiátrica, o do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), corre risco de perdê-la. A eletroconvulsoterapia, tratamento biológico de excelência, reconhecido cientificamente para casos de absoluta e reconhecida indicação, deixou o elenco de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, os prognósticos pioram, os resultados são mais demorados e aumenta a taxa de suicídio.

Por falhas de gestão, leitos hospitalares de qualidade foram fechados antes mesmo da criação, em quantidade e qualidade adequadas, dos serviços que deveriam substituir os manicômios. Os Caps existem em número muito reduzido, quase não há opção para os pacientes que precisam de atendimento noturno e as redes de atendimento, que deveriam garantir assistência depois da alta, ou substituir a internação, têm buracos perigosos para a segurança dos pacientes. Nesse cenário, com o fechamento de grande número de ambulatórios, os casos leves também ficam sem opção de tratamento. Além disso, os novos antidepressivos ainda não são distribuídos na rede pública.

O tratamento da esquizofrenia é um bom exemplo. O Ministério da Saúde tem um programa de distribuição de medicamentos especiais para a doença. Os novos antipsicóticos são eficazes até em casos muito graves. Essas medicações têm efeitos colaterais ínfimos em relação às antigas, que deixavam o paciente sedado e enrijecido. Com elas, é possível aumentar bastante a adesão ao tratamento e possibilitar a inserção social de pessoas que há alguns anos teriam que ser mantidas em ambiente protegido e isoladas da família. Entretanto, a distribuição ainda é insuficiente e o acesso é demorado e complicado. Precisamos de mais psiquiatras na rede pública para facilitar a liberação desses remédios. Atualmente, o paciente só os recebe cerca de dois meses depois do início de uma crise, o que agrava em muito sua situação.

Em resumo, enfrentamos alguns problemas estruturais graves: os leitos hospitalares foram reduzidos; os hospitais públicos não são equipados com as medicações mais modernas e eficazes; os serviços alternativos à internação existem em número insuficiente e estão centralizados nas grandes cidades; o paciente menos grave não tem onde buscar ajuda e acaba com piora de prognóstico; e há falta de médicos psiquiatras nos serviços públicos, pois a remuneração é completamente defasada. Três décadas depois, estamos muito distantes dos antigos manicômios. Isso é uma conquista importante para pacientes, familiares e profissionais de saúde. Mas ainda precisamos nos aproximar de um modelo de assistência integral, que ofereça os diversos tipos de tratamento. Esse é o principal desafio da saúde mental nos próximos anos. (Com Maurício Leão Rezende, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, e Mercedes Jurema Oliveira Alves, presidente da Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais)

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