TRE embarga obras do projeto Cimento Social na Providência

RIO DE JANEIRO – O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio embargou, na manhã desta terça-feira, as obras do projeto Cimento Social, que reformava cerca de 70 casas do Morro da Providência, no Centro do Rio. De acordo com o chefe de fiscalização eleitoral do TRE, Luis Fernando Santa Brígida, os autos do processo - aberto pelo órgão na semana passada para investigar a legalidade do programa, fruto de uma emenda do senador e candidato a prefeito Marcelo Crivella (PRB) – apontam que não pode haver obra social nova em ano eleitoral.


“As obras foram paralisadas, pois a fiscalização de propaganda eleitoral do TRE observou que o Cimento Social é considerado irregular. O projeto fere a legislação eleitoral, pois se trata de um programa social inaugurado em ano de eleições”, explicou o Santa Brígida, que estava no Morro da Providência, garantindo o fechamento do canteiro de obras. O embargo foi pedido pelo juiz Fábio Uchoa, em parceria com o Ministério Público Eleitoral.

Segundo o chefe de fiscalização eleitoral, apesar de o projeto ter sido iniciado em dezembro de 2007 em uma parceria com o Exército, o convênio entre os ministérios da Defesa e Cidades, que garantiu os trabalhos, foi firmado somente no dia 31 de janeiro deste ano.

Pegos de surpresa, os trabalhadores do Cimento Social – moradores da comunidade, em sua maioria – ficaram revoltados com a medida e iniciam uma manifestação no local. Foi reforçado o efetivo de segurança nas imediações do canteiro de obras da comunidade, de onde três jovens foram seqüestrados por 11 militares e levados para o Morro da Mineira, local onde foram torturados assassinados por traficantes.

Presença injustificável

Em meio ainda a um clima de consternação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou na segunda-feira de uma reunião de quase uma hora, no Palácio da Guanabara, com cinco familiares dos rapazes mortos pelo tráfico.

AE

Familiares deixam o encontro com Lula

Lula chegou a desabafar que considera “injustificável” a presença de homens do Exército em “uma obra terceirizada”, já que os trabalhadores ali empregados são da comunidade e os únicos militares seriam dois engenheiros. O presidente decidiu receber os familiares dos rapazes para ouvir o outro lado da história, já que tomou conhecimento da maior parte do caso apenas pelo Ministério da Defesa.

Na avaliação do presidente, “são muito diferentes as versões” sobre a forma como os jovens foram abordados, presos e entregues para as facções rivais. Lula defendeu que o julgamento dos 11 envolvidos na morte dos jovens seja feito pela Justiça Civil, e não na Justiça Militar. O ministro Nelson Jobim endossa a mesma tese, o que é contrário ao entendimento dos militares.

Militares devem culpar tenente

Os advogados de 10 dos 11 militares presos devem divulgar, nesta terça-feira, um manifesto com um pedido de desculpas à população. No texto, eles acusam o segundo-tenente Vinicius Ghidetti de ser o único responsável pelo crime. A defesa do oficial rebate essa versão, alegando que pelo menos outros fatores o levaram a deixar os rapazes dentro do Morro da Mineira, na zona norte.

Além de culparem Ghidetti, os militares pedem à população que não faça “julgamentos precipitados”. Dizem que o “sofrimento no cárcere é grande”, mas que não se compara à dor das famílias dos três rapazes, “que naquele fatídico dia tiveram suas vidas ceifadas por uma atitude inconcebível”. Os militares concluem o terceiro parágrafo do manifesto com uma crítica ao tenente: “não é o que se espera de um oficial, que naquele momento equiparou-se àqueles que torturaram e mataram estes jovens”.

Os militares concluem o texto de uma página dizendo terem certeza de que a Justiça está sendo feita e, ao final, o único responsável pelo crime e pela prisão deles será responsabilizado na forma da lei - “dos homens e de Deus”. Pedem, por fim, a compreensão de todos e que acreditem “em nossa inocência, na Justiça e no Exército Brasileiro”.

Jobim no Rio

Nesta terça-feira, Jobim despacha na sede do Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro, onde terá reuniões com o Comandante do Exército, General Enzo Peri, e com oficiais responsáveis pelas obras no Morro da Providência.

O objetivo, segundo informações da assessoria do ministro, é continuar os estudos para a elaboração de uma proposta para a continuidade das obras a ser apresentada à Justiça até o dia 26 de junho. As reuniões, segundo a assessoria, não serão conclusivas, e não haverá entrevista à imprensa.


O caso

Marcos Paulo da Silva, de 17 anos, Wellington Gonzaga Costa, 19, e David Wilson Florença da Silva, 24, moradores do Morro da Providência, na Zona Portuária do Rio, teriam sido entregues no sábado, dia 14, e mortos, menos de 12 horas depois, por traficantes do Morro da Mineira, no Catumbi.

Em depoimento ao titular da 4ª Delegacia de Polícia, delegado Ricardo Dominguez, alguns dos suspeitos teriam confessado o crime. Os jovens foram detidos pelos militares às 7h30 do sábado, quando voltavam de táxi de um baile funk, por desacato. Porém, o comandante da tropa determinou que eles fossem liberados após serem ouvidos.

AE/Marcos DPaula

Policiais do Exército e moradores em confronto

Testemunhas afirmam que os rapazes ficaram sob o poder dos militares até as 11h30 e depois foram entregues a traficantes de uma facção rival a do Morro da Providência, onde os rapazes moravam, no Morro da Mineira, onde foram executados. Há denúncias de que as vítimas teriam sido vendidas por R$ 60 mil.

De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML), Wellington teve as mãos amarradas e o corpo perfurado por vários tiros. David teve um dos braços quase decepado e também foi baleado. Marcos Paulo morreu com um tiro no peito e foi arrastado pela favela com as pernas amarradas. Os corpos foram encontrados no lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Na segunda-feira, após o enterro dos três jovens, moradores do Morro da Providência protestaram em frente à sede do Comando Militar do Leste (CML). Durante a manifestação, policiais do Exército entraram em confronto com os moradores, atirando bombas de efeito moral.


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