Bêbados, beberrões e bebuns


Ivan Lessa

Quando eu era jovem e o mundo, se não sorria para mim pelo menos ainda não fazia cara feia, tomava-se um porre. Eu pelo menos tomava porre. Ou enchia a cara. Ou ficava meio alto. Alterado, se quiserem. Ia numas e noutras. Passei por toda a sinonímia.

O linguajar popular me encontrou nas boas buates e nos péssimos butecos. Dando vexame. Claro. Bêbado é uma raça insuportável que se julga formidável. Os que ficam sentimentais. Os que querem quebrar a cara de todo mundo. Depois, quebrar o bar também.

“Por que bebes tanto assim rapaz?” perguntavam Rubens Soares e David Nasser, autores do samba gravado, primeiro pelo Joel de Almeida, depois pelo Chico Viola. “Chega, já é demais, se é por causa de mulher é bom parar, porque nenhuma delas sabe amar.”

Mentiam os sambas, como mentem os bêbados. Que fique logo claro: mulher sabe amar, sim, senhor. Bêbado, é mais complicado. Tem mais. Ninguém bebe por causa de mulher. Isso é desculpa. Pretexto. Indigentes, ambos.

Nunca conheci ninguém que, como diz o lugar-comum, bebesse para esquecer. Não vale também a graça de adicionar a ressalva, supostamente jocosa, de que “eu já me esqueci daquilo que queria me esquecer”. Mil comediantes, de pé ou sentados, já fizeram essa graça. Riu-se em 1870. Depois, nunca mais.

Um resumo rápido e rasteiro. Bebe-se para sair até onde possível de onde se está. Ficar numa “boa”, feito dizem aqueles péssimos caras vomitando a alma no meio da calçada. Os mesmos que, no dia seguinte, carregam uma ressaca mais pesada do que aquele bacalhau do homem do óleo de fígado. Lembram dele?

Isso está parecendo conversa de bêbado.

Uma carraspana é uma carraspana é uma carraspana. Sentencio no ritmo de Gertrude Stein e Vinícius de Moraes.

Carraspana. Um grupo de velhos com vastos bigodes e lindos gestos antigos tomando conhaque de alcatrão.

O objetivo de se ir numas e outras, todas se possível, é simples. Sair desta e partir para outra. Viver é duro. Como o murro do porteiro da casa noturna.

Quando eu me lembro, ou penso, no Brasil, eu vejo um – qual é o coletivo? – jereboão de bêbados. Eles, no meio de toda confusão que vivem, sabem do que se trata. Que é fogo. Fogo mesmo. Para ser breve. Como aquele bêbado – tem tanto tipo de bêbado – que bebe sozinho. Olhando só para o copo. Sem papo com ninguém.

Enquanto isso, no Reino Unido…

Agora mesmo, em setembro, o Departamento de Saúde do Reino Unido identificou nove tipos distintos de cachaceiros. Não que a cachaça tenho pego furiosamente por aqui. Caipirinha, tem, sim senhor. Muita. Mas ainda não chega a ser problema social. Como não o são nem a margarita nem o mojito.

Os britânicos vão de tudo. Tudo que estiver ao alcance de seus bolsos. Ou de suas mãos, na horinha do sexto chope duplo. O sistema nacional de saúde gasta perto de US$ 5 bilhões por ano com o problema da bebida. Não estou sendo claro. O sistema não bebe isso tudo. US$ 5 bilhões é quanto custa essa rapaziada chegada a uns copos.

Há, portanto, que, primeiro, por em ordem essa turma da pesada. Saber quem são. Depois então ver o que pode ser feito por eles. A sistematização pragmática da vida ainda não foi para as… ih, quase que eu escrevo “picas”. Eu bebi talvez, para citar cinco notas de outro samba.

Oquêi, então vamos lá. Toquemos este bonde pra frente.

Nove são os tipos de alcoólatras, ou bebuns britânicos contumazes. Nada de muito diferente de nossos bêbados. O bêbado, repito e insisto, é uma nacionalidade aparte.

Vejamos.

* Os que usam do álcool para tentarem manter um certo controle sobre suas vidas. Aqueles em busca do “desestresse”. Palavra que existe apenas em bebedês. Tudo classe média. Pode ser homem, pode ser mulher.

* Os conformistas. Nada a ver com o livro do Moravia ou o filme do Bertolucci. O bêbado conformista típico é macho (num certo sentido; depois, outro dia, entramos nos detalhes da inglória vida amorosa dos bebedores) e tem entre 45 e 59 anos. Chegados a trabalhos em escritório.

* Os entediados. São aqueles que derramam a “água que passarinho não bebe” para quebrar a monotonia da vida. São monótonos, vamos admitir. Qualquer pessoa que use a expressão “água que…” etc. É monótona. Chata de morrer. E morrem. Todos morrem no final desta história.

* Os deprimidos. Válido para qualquer um, de qualquer dos quatro sexos, qualquer das oito categorias sociais. Não sabem contar também. Feito nas anedotas, vêem tudo dobrado. Ou triplicado.

* Os amigões. Aqueles chatos que já mencionei. Lembram? 3 da matina. Tremendo bafo. O abraço. A pergunta, “Tu é ou não é meu amigo?”

* Os comunitários. Derramam para fazer amigos. Ou, no mínimo, não hostilizar metade do mundo. Não estando do nosso lado, dão pena os bêbados, né mesmo?

* Os hedonistas. Querem embarcar a todo vapor num porre. Perder completamente a noção de tudo. Conseguem. Acabam ou debaixo de cacete ou na prisão.

* Os machões. Também já mencionados. Nunca é demais lembrar. Cuidado com eles. Estão a fim de partir para um pau. Ou que um pau parta para eles.

* Os domésticos. No sentido de que fizeram do bar a casa. Outro samba, para encerrar numas notas também sorumbáticas: “Bar, tristonho sindicato de sócios da mesma dor”. Nora Ney, tô certo? Início anos 50.

Sóbrios ou de porre, como a gente tem besteira na cabeça, minha Nossa!

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