Desigualdade entre capital e trabalho cresceu

CLÓVIS ROSSI


Dois institutos oficiais, o Ipea e o IBGE, insistem em vender ao público uma informação incorreta, a de que caiu a desigualdade no Brasil.
Caiu apenas a desigualdade entre assalariados, a menos importante. Não caiu a desigualdade entre a renda do trabalho e a renda do capital (derivada de diversos tipos de investimentos).
Para desmontar a lenda da queda da desigualdade -que, aliás, a mídia tem comprado preguiçosamente-, basta recorrer ao próprio Ipea, ou mais exatamente a Marcio Pochmann, seu presidente, que, em recente artigo para a revista do Cesit (Unicamp), não só apontou o fato de que as pesquisas não medem todas as rendas, mas só as do trabalho, como anexou uma tabela para demonstrar que está aumentando -e não diminuindo- a parte da riqueza brasileira que é apropriada pelo capital, em detrimento do trabalho.
Os salários ficavam, em 1959/60, com 56,6% da renda nacional, porcentagem que, em 2005, havia caído para apenas 39,1%.
Recentíssimo estudo de três agências da ONU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Comissão Econômica para a América Latina e Organização Internacional do Trabalho) aponta na mesmíssima direção: "Juros, aluguéis e lucros foram os itens da renda brasileira que mais cresceram desde a última década, superando o rendimento dos trabalhadores. Os ganhos financeiros representavam, em 1990, 38,4% da renda nacional. Em 2003, o peso havia subido para 51,7%. A remuneração das pessoas ocupadas apresentou tendência inversa e passou a ser a parte menor do bolo: caiu de 53,5% para 42,9%".
O professor Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, em entrevista recente, aponta a raiz da desinformação: nas pesquisas que apontam queda da desigualdade, só entram os ganhos salariais e com a rede de proteção social, como o Bolsa Família e a aposentadoria.
"Tais números equivalem apenas a 40% do PIB", diz Dedecca, que acrescenta: "A renda com ganho de capital das classes A e B, à qual os pesquisadores não têm acesso, deverá indicar aumento nessa desigualdade".
Mesmo Marcelo Neri (Fundação Getulio Vargas), um dos mais respeitados estudiosos do tema e entusiasta da redução da desigualdade, disse à Folha há um mês: "As pesquisas não captam bem a renda dos ricos e do capital em geral. Por isso, não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas domiciliares".
Neri conta um dado definitivo a respeito: "Fizemos um experimento no Censo e vimos que quem tem três carros ou mais no domicílio (sinal de riqueza aparente) tem quatro vezes mais chances de omitir a resposta de renda que quem não tem carro no domicílio, situação que corresponde a boa parte da população brasileira". Conclusão inescapável: "Neste sentido, a desigualdade brasileira, que já era muito alta, tende a ser mais alta ainda".
Falta entender por que Ipea e IBGE não deixam claros os limites de suas pesquisas e vendem uma informação parcial e, por isso, falsa.

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