CRCN – CENTRO DE REFERÊNCIA DA CULTURA NEGRA

















Mauro Andrade Moura

“Oh! Os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra,
Que regaram com seu sangue, mas abençoaram com seu amor!
Joaquim Nabuco, Minha Formação, 1900”


O exercício disciplinar autodidata nos vários anos de estudos e pesquisas que venho empreendendo na perspectiva de melhor entender a História de meu País e, particular, desta Terra do Mato Dentro, pude confirmar as ligações de meus antepassados com o processo escravocrata institucionalizados nestes trezentos anos no Brasil.

Estudos que me permitiram enveredar pelos históricos de Itabira e constatar que há somente o “Quilombo de São José” no município na divisa com Nova Era. Para melhor entender o processo, os quilombos se deram no embate entre negros escravizados com os “senhores feudais” na busca pela liberdade, procurando fugir aos maus tratos aos quais eram submetidos.

Por isso, posso afirmar que em Itabira houve a grande maioria de locais remanescentes de comunidades de negros, a exemplo de Morro de Santo Antonio, Gomes e Barbosa, todos da antiga Fazenda Santa Cruz, locais estes cedidos aos escravos pelo meu tri-avô Joaquim da Costa Cruz, quando da alforria pela Lei Áurea em 13/05/1888. Portanto, 120 anos atrás.

Aprofundando um pouco mais nos alfarrábios de minha família, obtive informações de que na divisa de Itabira com Itambé há a comunidade do Pary. Este local foi doado pelo meu tataravô João José Martins da Costa Cruz, o qual alforriou os seus escravos em 1885, destinando aquele local a eles. Em Santa Maria de Itabira, a situação não foi diferente dos outros lugares. Lá existe a comunidade de remanescentes que se chama Barro Preto, próximo à Fazenda da Florença que pertencia também ao meu tataravô. Mas em todos os escritos visitados não encontrei histórico de quilombos, sabido é que temos em Itabira ainda as ditas comunidades de remanescentes do Engenho e de Capoeirão.

Muito menos de movimentações organizadas de negros de 1960 para cá. Encontrei apenas uma reportagem feita pelo jornal O Cometa na década de 80, nas suas primeiras edições quando a equipe de jornalistas abre a ferida com uma reportagem sobre negros no município. Em seguida, o Delfino Leonel ensaia um movimento no Sindicato Metabase enquanto sindicalista. E de lá para cá, outras ações começaram a surgir até que, dando um salto e buscando a história mais recente, pelos idos de 1997, Itabira já acompanhava as movimentações em prol de ações em favor de melhores condições de vida das comunidades negras no país. Daí um grupo de abnegados: José Norberto/Bitinho, Carlos Eduardo/Mussum e Marcos Cardoso, e, em algumas delas pude participar e dar a minha modesta contribuição. Lembro-me perfeitamente de como foi concebida toda a história do Festival Cauê (na Língua Banto, de origem africana, que quer dizer “dois irmãos” em referência aos Irmãos Albernaz).

A proposta era de edificar um projeto multicultural para o município com extensão para a região e denotava dos demais por propor ser multirracial. Hoje esta proposta teve seu nome alterado e segue acontecendo em Itabira de forma reduzida como FIAN – Festival Itabirano de Artes Negras, do qual participei das edições de 2005 e 2006 produzidas por um grupo de pessoas acompanhando o projeto incorporado do Delfino Leonel, absorvendo o que ele já havia conquistado em termos de movimento e deram prosseguimento.

Surge em meados da década de 1980 o Movimento Negro comandado pela Pastoral da Igreja Católica, onde vão se destacar novas pessoas que passam a gerir o Pré-vestibular para Negros e Carentes, comando pela Magna Cipriano, auxiliada pelo Padre Justino. O Pré-vestibular Alvorada iniciou suas atividades no início deste Século.

Passados os anos, o grupo de pessoas acima acrescido de João Brito, Marcos Almeida e Júlio César dos Reis, passamos a entabular o CEPAI – Centro de Pesquisas Afro-Itabirana com a benção do Padre Justino e o que seria então um pequeno apoio do MCNI – Movimento de Consciência Negra de Itabira.

Com a minha participação efetiva, pude contribuir de várias formas para o fortalecimento do Movimento, pois acreditava, como acredito na condição de vida digna a todos e principalmente desta parcela significativamente de negros de nosso município. Dentre as várias propostas que me vejo inserido, acabei doando uma sala na COBAL para que o Movimento de Consciência Negra de Itabira tivesse um local para a sua administração, sendo que o mesmo ainda promovia naquela época o pré-vestibular Alvorada para Negros e Carentes; proposta social de grande relevância social e que nos apresenta uma das maiores incongruências, pois naquele momento o MCNI era totalmente desprovido de recursos financeiros e contava somente com doações e apoios dos professores sensíveis à causa, que lecionavam gratuitamente. Hoje, este mesmo MCNI conta com uma polpuda rubrica no orçamento público de Itabira e os participantes já não conseguem mais promover as valiosas aulas do pré-vestibular Alvorada. Será o porquê desta inoperância, com um prefeito negro comprometido com a causa?

Inclusivamente, em finais de 2000, promovemos um “Seminário Para o Desenvolvimento Social da Comunidade Negra em Itabira”, do qual participou o então eleito vice-prefeito e, hoje, atual prefeito, Dr. João Izael Querino Coelho; advindo dele a criação da Seção para Assuntos da Comunidade Negra de Itabira.

Para situá-los da importância deste fato que vos falo, consta no orçamento fiscal de Itabira de 2008, a rubrica de nº 14.244.0049.2.103.000 – Promoção e Apoio à Comunidade Negra que tem por objetivo promover a cultura afrodescendente no município com uma verba designada de R$430.000,00. Porém, o que vemos neste ano foi somente “Festa, muita Festa!”

Naquela altura não logramos êxito, mas já em 2004 eu descobri que o Posto Agropecuário/Fazenda São Lourenço, que pertence à União, estava ocioso, completamente degradado e servindo de pasto de gado de particulares. Nesta feita, formulei um dossiê e junto com o Júlio César dos Reis, então chefe da Seção para Assuntos da Comunidade Negra de Itabira, comparecemos no Departamento de Patrimônio da União e perante o seu gerente, Rogério Aranha, conseguimos mostrar a ele a importância de utilizar aquela fazenda de forma que ela tivesse um uso social melhor aqui em Itabira.
Comparecemos também no INCRA, pois a mesma estava destinada à reforma agrária e conseguimos sensibilizar o então Superintendente com a nossa proposta e obviamente baseada no dossiê que desenvolvi.

Em princípio, seriam liberados 200 hectares da fazenda para uso da Prefeitura Municipal, 5 hectares para instalação da AMAI, 5 hectares para a instalação da APAC e 30 hectares para a instalação do CRCN – Centro de Referência da Cultura Negra (do Brasil) que foi parido com o nome de CEPAI. O “porém” disto é que o governo federal para todos conseguiu liberar somente o talhão à Prefeitura Municipal de Itabira, ficando as demais entidades a ver navios no céu e com isto diminuíram as chances de vermos uma Itabira melhor para se viver, pois até o presente momento estas entidades de cunho social não conseguiram liberar a documentação da cessão da fazenda para o devido uso a qual foi enfim destinada, o social!
O talhão destinado à Prefeitura Mun. de Itabira foi repassado à EPAMIG e transformado em uma fazenda experimental de gado meio corte e meio leite.

Em 2006 quando estive em Lisboa, foi me apresentada a proposta de criação das Casas da Lusofonia – Centros para a Cidadania Multicural pelo Mário Alves/Etnia, que me sensibilizou sobremaneira pela amplitude com que se norteia e pela qual atualmente venho empreendendo os meus esforços para implantação de uma aqui em Itabira, pois a considero superior ao Centro de Referência da Cultura Negra por ser mais abrangente e desprovida de ranços étnico-raciais.

Em visita à Câmara Municipal esta semana tive a grata notícia de ser informado de que o vereador Gilberto Magalhães encaminhou a proposta de denominar o futuro anfiteatro que está sendo construído no Pico do Amor, aos pés do Memorial Drummond, com o nome do compositor e cantor Norberto Martins, carioca radicado em Itabira.

Esta proposta, que deveria largamente ser noticiada, surgiu a partir do intuito criativo do produtor cultural José Norberto de Jesus/Bitinho, que mesmo distante de Itabira, continua preocupado com o trato com a cultura negra e o seu desenvolvimento local.

O feito segundo informação da iniciativa do vereador Gilberto Magalhães, é fruto do relacionamento do Norberto com seu primo Jackson Nunes. Feitos como estes é que valorizam a cultura local e a falta de iniciativa da Administração Municipal que peca em não cobrar resultados da seção municipal para assuntos da comunidade negra, e que por sorte, tropeça em atitudes como esta, que engrandecem a população.

De parabéns Gilberto Magalhães pela sua visão crítica e sensível aos apelos da família Martins. Parabéns ao Norberto por mais essa generosa contribuição. Parabéns ao filho do Norberto Martins, Jackson Nunes que facilitou a documentação para tornar viável a iniciativa e por última à memória do homenageado, o carioca/itabirano, o compositor e cantor Norberto Martins, que terá seu nome reconhecido pelos itabiranos. A família certamente se sentirá gratificada e honrada com o gesto administrativo, encabeçado pelo Sr. Prefeito João Izael. Um grande feito em tempos de comemoração dos 120 anos de libertação dos escravos no Brasil.

Para saber mais:
Casas da Lusofonia: http://www.lestemais.com.br/colunistas.asp?id_noticia=1231

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