A educação de “Veja”: o Brasil de resignados que não queremos ser





Escrito por Max Gimenes

Em recente encontro com um parente atualmente um pouco distante, surgiu uma conversa sobre educação que me trouxe uma salutar reflexão. O querido primo, leitor de "Veja", defendeu a concepção da revista sobre o tema, cuja última exposição foi feita na edição de 3/9/08 por Gustavo Ioschpe, economista supostamente especialista em educação e um dos arautos da direita raivosa que, embora caricata, representa um enorme perigo pelo esforço incansável de sempre para transformar mentiras em verdades e para vender gatos como se velozes lebres fossem (com certeza, aulas com Goebbels, ministro da propaganda de Adolf, ele mesmo, o Hitler).

Nos textos de "Veja", que não é imparcial como se auto-declara – isenção, aliás, inexistente em tudo que sai de um ser humano dotado de experiências e valores –, não há sequer responsabilidade, que é o mínimo que se espera não só de um jornalista como também de todos os outros profissionais deste mundo. Seria passível de respeito a teoria defendida pelo periódico caso não fosse manifesta a sua falta de interesse por um país melhor (entenda-se melhor para a maioria). O tal Brasil que eles querem que sejamos é ainda pior do que esse em que já vivemos. Ainda mais injusto e desigual. Para eles, afinal, a desigualdade se resume à excessiva capacidade de alguns ante a incompetência da grande maioria. Tal raciocínio, ao contrário do que possa parecer, é mais fruto de má-fé que de ignorância. Vejamos.

"Veja" utiliza uma premissa válida para chegar a uma conclusão – premeditada – absolutamente equivocada e ameaçadora à educação brasileira. É preciso, segundo a revista e aqueles que lá manifestam o seu ódio à fraternidade e à solidariedade, que a educação seja eficiente e ofereça resultados. Como todos os seres humanos dotados de ao menos dois neurônios, concordo. E é daí que se chega a uma conclusão surpreendentemente mágica: para que se alcancem bons resultados, basta que as escolas sejam administradas como empresas privadas. Respiremos fundo.

A educação deve, sim, funcionar com o objetivo de oferecer bons resultados. Mas o questionamento que deve ser trazido para reflexão – atitude pouco incentivada por "Veja" – é o seguinte: que resultados as instituições de ensino devem proporcionar? Eis o ponto: as escolas não podem ser administradas como se fossem empresas privadas, pois os resultados buscados nestas são os lucros de uns poucos à custa do trabalho de tantos outros. Uma educação de qualidade deve objetivar a construção de uma sociedade justa e harmoniosa, onde exatamente não funcione a lógica capitalista de competição predatória e concentração de privilégios nas mãos de uma pequena elite, não raro ignorante, egoísta e perceptivelmente não merecedora da posição que ocupa, ela mesma prova incontestável da farsa da chamada "meritocracia".

Professores, os profissionais mais importantes para que os resultados acima sejam atingidos, não podem ter seus empregos, salários e motivação submetidos ao que o "deus mercado", seguindo leis ininteligíveis, queira oferecer. É preciso, antes de tudo, que eles sejam valorizados. Ao contrário do que faz a revista, que os ataca, ofende ou menospreza. E as determinações do mercado nem sempre são as melhores para a sustentabilidade do planeta e para o equilíbrio da vida em sociedade. O meio ambiente que o diga.

Um programa educacional decente deve buscar a democratização absoluta do conhecimento e do acesso à cultura, para a formação de cidadãos conscientes e críticos, capazes de utilizar o saber para a transformação da realidade que os cerca. Assim nos ensinou o revolucionário pedagogo Paulo Freire, o educador brasileiro mais conhecido e respeitado no mundo – desdenhado, é claro, pelo panfleto travestido de revista. Esse tipo de eficiência e resultado não pode ser mensurado em balanços, provas de múltipla escolha ou outros documentos estritamente técnicos. É uma questão sobretudo humana, que até algumas nações capitalistas parecem perceber.

Não é à toa que a educação de países tidos como exemplares seja encarada como serviço público. Sem lógica empresarial, mas como investimento social. Não é por acaso também que a educação aqui seja uma vergonhosa calamidade. São os ignorantes e alienados formados por nossas escolas que sustentam no poder quem rouba (mas diz que faz) e quem promete mundos e fundos, mas não faz nada além do que sempre foi, ou deixou de ser, feito.

Educação não é e não pode ser, em hipótese alguma, tratada como mercadoria. Ela é um instrumento de libertação, é emancipação. Como tal – e somente como tal –, ela pode ser capaz de nos garantir a perspectiva de um futuro digno da capacidade inesgotável do ser humano, que vai muito além da aptidão de alguns para falar abobrinhas.

Max Luiz Gimenes, professor de redação da Rede Emancipa de Cursinhos Populares, é militante do PSOL.

E-mail: max.gimenes@gmail.comEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

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