A Lei Seca e o Uso do Bafômetro

Não é possível sacrificar o direito à vida e à integridade física de toda uma sociedade em prol do direito de não ser constrangido um condutor que cometeu um crime
Alexandra Brito Pinheiro, Integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, especialista em Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes

A relação dos acidentes de trânsito com a embriaguez ao volante é fato notório em toda a sociedade. Todavia, apesar das diversas campanhas lançadas pelo governo federal e da entrada em vigor da Lei 9.503/97 – o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) –, com o intuito de diminuir o grande número de mortes no trânsito (aproximadamente 50 mil mortes por ano), não se obteve êxito. Diante deste panorama cruel e violento, surge em 19 de junho de 2008 a Lei 11.705/08 – a Lei Seca –, que tem por objetivo precípuo reduzir o número de vidas perdidas no trânsito brasileiro em razão de embriaguez ao volante.

Com a Lei 11.705/08 foram realizadas significativas mudanças, as quais vêm gerando uma maior conscientização da população sobre este grave problema social presente no Brasil, e principalmente, reduzindo o número de mortes no trânsito. No entanto, a nova lei reacendeu a polêmica em torno do uso do bafômetro, visto que em razão do princípio da não obrigatoriedade de produzir de provas contra si mesmo, suscitam seus adeptos a argumentação de inconstitucionalidade.

De acordo com os mesmos, aquele que se recusa a fazer o teste do bafômetro está amparado constitucionalmente. Logo, nenhuma sanção pode advir desta recusa, pois seria direito do motorista. O artigo 277 caput do CTB proclama que todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização, sob suspeita de haver excedido os limites previstos na lei, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que permitam certificar seu estado.

Com a nova lei, foi acrescentado ao citado artigo o parágrafo 3º, no qual fica estipulado que serão aplicadas penalidades e medidas administrativas, entre elas multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses ou retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação, de acordo com o artigo 165 do CTB, ao condutor que recusar se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no artigo 277.

Logo, diante desta controvérsia, é importante que se façam algumas relevantes considerações.

Primeiramente, quanto à argumentação de inconstitucionalidade em face do artigo 277 do CTB, em relação à violação do princípio da não obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo, esta não deve ser confirmada. De acordo com a atual hermenêutica, em relação aos direitos fundamentais, impõe-se a análise dos princípios constitucionais envolvidos, em que se verifica, naquele momento, qual princípio prepondera sobre o outro.

De um lado, vê-se o direito do condutor à sua intimidade e inviolabilidade pessoal; de outro, o direito à vida e à integridade física dos demais cidadãos. Neste caso, qual o bem tutelado deve prevalecer sobre o outro? Não é possível sacrificar o direito à vida e à integridade física de toda uma sociedade em prol do direito de não ser constrangido um condutor que cometeu um crime.

Os direitos fundamentais, segundo Alexandre de Moraes, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetor da prática de atividades ilícitas e tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Outra questão a ser examinada em contraponto à argumentação de inconstitucionalidade do artigo 277 do CTB é a de que o ato de dirigir não é um direito, e sim uma permissão do poder público. Essa permissão seria concedida apenas àquele que se habilita preenchendo alguns requisitos e que segue determinadas regras estipuladas pelo poder público. Incluindo a realização do teste de alcoolemia em caso de suspeita de haver excedido os limites de dosagem alcoólica previstos na lei.

Diante disso, verifica-se que o ato de dirigir não é um direito, e sim um privilégio. Logo, o princípio constitucional da não obrigatoriedade de produzir provas contra si mesmo não se aplica ao trânsito.

Nesse sentido é que se ampara a alegação da flexibilização do uso do bafômetro, pois com o seu uso rotineiro os condutores criminosos não poderão se esquivar da responsabilidade, bem como os agentes policiais terão a possibilidade de produzir uma prova material robusta do estado do condutor no momento do delito.

A Lei 11.705/08, ao tratar com mais rigor aqueles motoristas que conduzem seus veículos sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, vem exercendo um papel positivo, visto que em todo o país houve diminuição do número de mortes no trânsito.

Segundo balanço apresentado pela Polícia Rodoviária Federal no início do mês de agosto, houve uma redução de 22% no número de mortos em acidentes nas estradas federais que cortam o estado, se comparado ao mesmo período em 2007. Minas obteve a terceira maior queda de todo o país, ficando atrás apenas de Pernambuco (27%) e do Rio de Janeiro (30%).

Assim, a Lei Seca vem gerando uma grande mudança no país, as fiscalizações estão sendo realizadas continuamente, com resultados animadores. A população está se conscientizando de que a combinação álcool e direção é extremamente perigosa e, principalmente, o número de mortes em acidentes de trânsito reduziu consideravelmente no Brasil . Com isso, a sociedade agradece!

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