REDE GLOBO - QUADRATURA DO CÍRCULO OU CORES E AS FORMAS DO PRECONCEITO

Artigo que discute o paradoxo entre o Slogan da Globo "A gente se vê por aqui" e a realidade da sua programação , que nem de longe, representa a diversidade étnica, cultural, artistica, religiosa e política do Brasil, referenciando a luta pela democratização da informação à quadratura do círculo.

Léo COEXISTA

Desde o ano 2000, a Globo utiliza o Slogan "A gente se vê por aqui", porém, nem de longe, a sua programação representa a diversidade étnica, cultural, artistica, religiosa e política do Brasil. Seu discurso monolítico representa apenas a parcela privilegiada da população brasileira, vendendo ideais de vida e consumo, não condizentes com a realidade da maioria do nosso sofrido povo.

Suas novelas apresentam estigmas e preconceitos contra a população afro-descendente, pois, com raríssimas exceções, o negro sempre é apresentado em condições sociais desfavoráveis ou com uma escala ética questionável. Quando não é bandido, pobre, empregada doméstica, traficante ou porteiro é um personagem “estereotipado” como o Foguinho, anti-herói da novela “Cobras e Lagartos”, interpretado pelo ator Lázaro Ramos, que na base da trapaça, se apossou da fortuna do amigo Duda. Ou então a Ellen, da mesma trama, uma alpinista social que obrigou a atriz Taís Araújo para compor o personagem, alongar e mudar a tonalidade de seus cabelos para uma cor mais clara.

A estética da Globo é predominantemente européia, onde o branco (a), de nariz afinalado, cabelos “bons” e lisos e olhos claros são apresentados como padrão de beleza a ser seguido. Que o diga as Anas Marias Bragas, Xuxas ou Angélicas, presenças constantes em sua programação.

Outro exemplo infeliz desta emissora foi na produção da novela "A Lua Me Disse" as duas personagens negras que rejeitavam sua raça. Na trama, Anastácia e Jurema, interpretadas pelas atrizes Zezé Barbosa e Mary Sheila, abominam sua origem. Intitulam-se afro-americanas, alisavam e clarearam os cabelos e chegavam ao extremo de usar pregadores de roupa no nariz para dormir, na tentativa de afiná-los. A negação era tanta que elas se deram novos nomes: La Toya e Whitney, em referencia a cantoras norte-americanas (vale lembrar que La Toya Jackson, a exemplo de seu irmão Michael, fez cirurgia para afinar o nariz e durante muito tempo "embranqueceu" sua pele).

Mas o maior absurdo apresentado foi quando Anastácia/La Toya ter recusado a atender um cliente negro, assim como ela, na loja de sapatos onde trabalhava, declarando “Não me abaixo para preto". O assunto foi encarado por alguns grupos de ativistas do movimento negro e dos direitos humanos como estímulo ao preconceito.

Para a socióloga Raquel Souzas, conselheira da ONG Fala Preta, “o escracho pelo escracho não leva a nada, apenas faz aumentar a rejeição e baixa a auto-estima’’, diz, na esperança que a história fosse pontuada de questões importantes. Para a socióloga, o problema não é a negra alisar ou pintar o cabelo, mas o motivo pelo qual faz isso. ’’Se ela se acha mais bonita assim, ótimo. O problema é quando faz isso para se enquadrar num padrão de beleza’’, e eu completo, como o que é imposto pela emissora do plim-plim, no cotidiano da sua programação.

Outra caracterização que incomodou nesta novela foi o tratamento dado à personagem Índia, vivida por Bumba, uma índia de verdade. Empregada na casa de Ademilde (Arlete Salles), Índia era esculachada pelas irmãs de sua patroa, Adalgisa (Stella Miranda) e Adail (Bia Nunnes). Numa alusão ao clássico infantil A Gata Borralheira, Adalgisa e Adail rasgam o vestido com o qual Índia iria a um casamento chique.

Se isto tudo não bastasse, recentemente a globo, defendendo os interesses eminentemente escusos, mas que não desfocam de seus ardis habituais, criminalizou os movimentos sociais e a luta dos quilombolas, pelo reconhecimento da dívida histórica com os afro-descendentes brasileiros, apresentando matérias que negam a identidade étnica e contra o decreto 4887/03, que regulamenta o processo de titulação dos territórios de quilombos.

Por tudo isto, é o momento de unirmos forças para juntamente com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas protestarmos contra a renovação da concessão da emissora que expira em outubro. De acordo com a carta convocatória, a postura política deverá representar um ato de repúdio ao abuso de um grupo de mídia privado que se utilizam das concessões públicas para descredibilizar aqueles e aquelas, que há mais de 500 anos, constroem a história desse país.

A proposta é que o próximo dia 05 de outubro de 2007 fique marcado pela manifestação "GLOBO, A GENTE NÃO SE VÊ POR AQUI!", que irá expressar a indignação dos movimentos sociais criminalizados, direto ou indiretamente, por essa emissora, criada no mesmo ano do Golpe Militar de 64, e que expressa no seu nome a megalomania da auto-exaltação, que vende maciçamente na sua grade de programação.

No filme Beyond Citizen Kane ou Muito Além do Cidadão Kane, documentário produzido pela BBC de Londres que conta a história da Rede Globo de Televisão e foi proibido no Brasil desde sua estréia em 1993 graças a uma ação judicial movida pela emissora sob pretextos bastante controversos.

O documentário apresenta a relação entre a Rede Globo de Televisão e o regime da ditadura militar, e fatos sociais decorrentes como o cancelamento da concessão da TV Excelsior em 1970, única empresa de TV a se opôr ao golpe militar e principal concorrente da Globo ou uma suspeitíssima parceria entre a emissora e o Grupo Time-life (empresa norte americana de mídia). Ele também apresenta o desproporcional poder do proprietário da Rede Globo, além de manifestação de pessoas como Luiz Inácio Lula da Silva, Washington Olivetto, Armando Falcão, Fausto Neto, Antônio Carlos Magalhães, Walter Clark, Armando Nogueira, Gabriel Priolli e Maria Rita Kehl. Chico Buarque de Holanda declara: "O poder da Globo é assustador" e Leonel Brizola: "Tudo na Globo é tendencioso e manipulado, [A Globo] ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder".

O mais importante e revelador do filme, são envolvimentos ilegais e mecanismos manipulativos utilizados pelas Organizações Globo em suas obscuras parcerias para com o poder em Brasília, incluindo assassinatos encomendados por seus maiores figurões e outros crimes como o auxílio dado à tentativa de fraude nas eleições cariocas de 1982 para impedir a vitória de Leonel Brizola e a edição tendênciosa do debate Collor/Lula em 1989.

O próprio Roberto Marinho, fundador e dirigente da emissora até a sua morte, disse certa vez: "Eu uso o poder, eu sou o poder", demonstrando toda a soberba, mania de grandeza e superioridade da emissora, fatos expressados cotidianamente, no “padrão globo de qualidade”. As Organizações Globo, é líder no segmento de mídia, expandindo seus negócios, até atingir e consolidar o monopólio no Brasil e estabelecer vários negócios no exterior - como o com a portuguesa SIC. O passado da emissora e as práticas rotineiras, remetem a idéia de uma união estável com grupos políticos e ideológicos que representam os braços e os interesses dos grandes capitais nacionais e transnacionais. A voz do topo da pirâmide social, em detrimento da grande maioria povo.

A Globo, seus ícones e discursos são o reflexo do paradoxo. Segundo o “wikipedia”, paradoxo é uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, ou a uma situação que contradiz a intuição comum. Em termos simples, um paradoxo é “o oposto do que alguém pensa ser a verdade”, se bem, que falar de mídia convencional e de verdade, é querer demais. A logo da rede globo é o grande paradoxo. Um círculo dentro de um quadrado, onde se encontra uma espécie de arco-íris com as cores vermelho, amarelo, verde e azul, fazendo fundo para outro círculo. Estas cores são utilizadas pelos movimentos sociais e geralmente representam a diversidade, que definitivamente, não se vê na sua programação.

Além disto, as regras do jogo estão erradas, pois as concessões públicas de rádio e tv, anti-democraticamente, privilegiam e permitem a equivocada existência desta oligarquia midíatica, que com o seu descomunal poder elegeu e derrubou governos, aprovou ou impediu a aprovação de leis, bem como moldou costumes e valores da nossa sociedade, freqüentemente, sobrepondo o interesse de poucos aos da coletividade, não pugnando pelos princípios republicanos. Sem falar na perseguição das rádios comunitárias ou nos benefícios cedidos aos grandes conglomerados de mídia, como a concentração da publicidade estatal. É uma luta de Davi contra Golias, pela democratização da informação.

Porém, como na “quadratura do círculo”*, que durante muitos anos foi tido como insolucionavel e coincidentemente me remete a imagem da logo da Globo, a saída é utilizarmos a ferramenta certa para buscarmos o resultado desejado. Por isto, vamos lutar numa grande mobilização popular contra a renovação das concessões da emissora, que definitivamente, não representa a diversidade do povo brasileiro ou possibilita realmente a “gente se ver por ali”.

Leonardo Alves Batista Coordenador do COEXISTA - Grupo de Consciência Existencial e Coletiva

* A quadratura do círculo é um problema matemático, proposta por Anaxágoras (499-428 a.C.). Ele consiste em dado um círculo, construir um quadrado de mesma área, propondo a solução apenas com régua (sem escala) e compasso, devido aos gregos desconhecerem as operações algébricas e priorizarem a Geometria. Em 1837, Pierre L. Wantzel, professor da renomada Ècole Polytechnique, de Paris, demonstrou que o problema da quadratura do círculo é irresolúvel utilizando-se apenas a régua e o compasso, mas é elementar a solução por meio da Álgebra.

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