Elevador de serviço

BARBARA GANCIA



Perguntaram ao Emerson Fittipaldi se a mulher brasileira vivia bem e ele respondeu que sim: "Todas têm empregada"

SEMPRE COMEÇO O jornal pelo Painel do Leitor e, ontem, impressionou-me de tal forma uma discussão iniciada no espaço que não dei prosseguimento à leitura. Enquanto o mundo à nossa volta implode (bem que eu disse aqui, em janeiro, que viria por aí uma crise como a de 1929), eu só conseguia pensar na celeuma do Painel do Leitor.
Melhor iniciar pelo texto que deu origem à discussão. No último dia 15, como é do seu feitio, o economista Marcos Cintra escreveu um artigo lúcido e corajoso.
Sem ceder à demagogia, ele alertou que a mudança na legislação para domésticos pode ser um brutal retrocesso social oculto sob o manto da igualdade de direitos. Um trecho: "É importante dizer que hoje os domésticos são, no meu entender, discriminados a seu favor. Há exceções, mas a regra no Brasil é a de um relacionamento cordial entre patrões e empregados domésticos, em que o binômio trabalho-descanso segue, de comum acordo, as especificidades de cada domicílio. É mais comum a empregada doméstica ser tratada como membro da família do que como escrava, como querem fazer crer membros do governo que desejam mexer no vespeiro".
O leitor Rafael Marquese não concorda. Disse ele na missiva publicada ontem que "o palavrório contido [no texto de Cintra] procede diretamente dos argumentos que sustentaram por séculos a escravidão".
Mas, afinal, a nova legislação é um avanço ou não? Jornada de trabalho de oito horas, pagamento de hora extra, adicional noturno, salário-família, FGTS obrigatórios e proibir menores de 18 anos de atuar como domésticos é ir na direção certa?
Na prática, o buraco é mais reentrante. Dou um exemplo que não tem a ver com o trabalhador doméstico: de cada 100 professores de tênis no país, 1 ou 2 não terão começado como pegadores de bola. E o pegador de bola geralmente é um guri de seus 14, 15 anos.
De acordo com a legislação que entrou em prática há mais de ano, só quem possui diploma pode dar aula e menores não são mais admitidos como pegadores. Isso fez com que os preços de aluguel de quadra e de aula subissem e os pegadores perdessem o emprego (note que a grande maioria estudava e só trabalhava meio período). Ou seja, o esporte elitizou-se ainda mais e a molecada perdeu a chance de uma carreira.
Por outro lado, a despeito das leis que tentam protegê-lo, e por mais que seja tratado com cordialidade, o doméstico ainda é discriminado. Lembro de que certa vez perguntaram a Emerson Fittipaldi se a mulher brasileira vivia bem e ele respondeu que sim: "Todas têm empregada". A própria existência do "elevador de serviço" é um escândalo e um atestado de país retrógrado.
Proíbo qualquer pessoa que preste serviço na minha casa, inclusive entregadores, de usá-lo. Para mim, trata-se de um elevador de carga e descarga e ponto final. Mas sempre enfrento a resistência de quem não consegue nem mesmo perceber que está sendo segregado.
Mas será que esses novos encargos exigidos dos empregadores de domésticos vão ajudar a dignificar a profissão? A gente sabe que não. Por mais que Marcos Cintra diga que os domésticos são tratados como família, eu nunca vi, no Brasil, doméstico comer na mesa com patrão. Na maioria dos lares, inclusive, nem a mesma comida eles dividem.

barbara@uol.com.br

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