Contrapartida dos deveres

A Justiça brasileira luta para se estruturar
Rogério Medeiros Garcia de Lima, Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, doutor em direito administrativo (UFMG), professor universitário
A Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), realizou, no dia 12, seminário alusivo aos 20 anos de vigência da Constituição Federal de 1988. Depois de brilhantes conferências e debates, os participantes puderam constatar que o Brasil, mesmo com a notável evolução econômica e social verificada no decorrer do século 20, chegou àquela Assembléia Constituinte com enorme débito histórico a resgatar. O desafio era instituir o controle do Estado pelo povo e assegurar a plena cidadania a todos. A nossa democracia está consolidada. Realizamos eleições periódicas e transparentes, sob a segura direção da Justiça Eleitoral. Cidadãos tiveram ampliados os seus direitos e recorrem maciçamente ao Poder Judiciário para fazê-los prevalecer. A Justiça brasileira, ainda ineficiente para enfrentar tamanho desafio, luta para melhor se estruturar. Ainda há enorme débito social a solver, sobretudo no que se refere à saúde, educação e qualidade de vida nas grandes cidades.

Estaríamos vivendo na Suécia? O Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante n° 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou ação penal contra empresários do Paraná, porque continha provas resultantes de escutas telefônicas prorrogadas por quase dois anos, sem a fundamentação devida pelo juiz que as autorizou (STJ, Habeas Corpus 76.686-PR, julg. 9/9/08). Na seqüência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) percebeu que os magistrados são os “infratores” que mais “amedrontam” a sociedade. Adotaram a “ousada” prática de autorizar escutas telefônicas. Por isso, o CNJ, inusitadamente, invadiu a seara jurisdicional e baixou resolução destinada a monitorar as quebras de sigilos de ligações telefônicas em todo o país (EM, 10/9). O Tribunal Superior Eleitoral (TRE) e o STF decidiram que os candidatos réus em ações penais podem disputar as eleições municipais de outubro, baseados na garantia constitucional da presunção da inocência.

No entanto, algum cidadão brasileiro, ignorante das garantias constitucionais, poderia formular indagações. Qual a contrapartida para tão firme defesa de garantias individuais? Passaremos a viver em um país muito mais seguro e incorruptível? Vamos ter menos crimes de colarinho branco? O Judiciário será mais eficaz? Esse cidadão implicante poderia mesmo citar a clássica reflexão de Rudolf von Ihering (A luta pelo direito): “Qualquer norma que se torne injusta aos olhos do povo, qualquer instituição que provoque seu ódio, causa prejuízo ao sentimento de justiça, e por isso mesmo solapa as energias da nação. Representa um pecado contra a idéia do direito, cujas conseqüências acabam por atingir o próprio Estado. Nem mesmo o sentimento de justiça mais vigoroso resiste por muito tempo a um sistema jurídico defeituoso: acaba embotando, definhando, degenerando”.

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