Hip Hop - A Cultura Marginal

O Hip Hop não foi inventado, ele nasceu naturalmente no gueto, recebeu a forma dos negros e excluídos e hoje auxilia o povo a encontrar uma identidade.

Jéssica Balbino

Foto: autoras do livro-reportagem

Frente às discussões provocadas pela jornalista Bárbara Gancia e o escritor Sérgio Vaz, sinto-me na obrigação de botar mais lenha na fogueira.

Além de fazer das palavras de Sérgio Vaz as minhas, gostaria de esclarecer algumas coisas. Estive lendo a declaração de Alessandro Buzzo na revista RAP Brasil onde ele afirmava que era um escritor marginal porque era marginalizado, mas agia preconceituosamente em relação às teses acadêmicas sobre o hip hop.

No meio do fogo cruzado, postei no meu blog assim, adaptando do texto dele: “Me considero uma escritora marginal porque sou marginalizada. Se chegamos atrasados no trampo, o patrão olha torto. Somos escravos modernos. Hoje não existe escravidão, mas existe salário, que nunca dá para o que precisamos, o transporte é mó veneno. Essa vida é marginal. Se escrevo e vivo nessa vida, sou uma escritora marginal. É original porque vivo isso, apesar de ter feito faculdade e escrito uma tese sobre a periferia, esse é o meu dia-a-dia”

Para os hip hoppers, que acham que acadêmicos e estudiosos não podem ser da cultura porque não passam os mesmos venenos. Puro preconceito. Sou uma jornalista que vive o hip hop no dia-a-dia e luta para preservar a cultura. Sou uma jornalista que foge à regra, ando de busão/ trem lotado, não é porque estive numa sala de aula de um curso superior e escrevo sobre política, arte e filosofia que sou diferente ou elitizada. Não é porque carrego um diploma debaixo do braço que deixo de carregar a marmita amassada na bolsa. Também estou nesse país vendendo o almoço para pagar a janta, por mais contraditório que isso pareça.

Para a ‘jornalista’ (que envergonha a classe) Bárbara Gancia, eu escrevo para enganar a fome e boto no papel as indignações que é ser um “escravo moderno”.

Respondendo sua pergunta, em seu próprio texto “Desde quando hip hop, rap e funk são cultura?”. Desde que você deixou sua ignorância tomar conta e não se informou para escrever.

Em primeiro lugar, hip hop é uma cultura. Uma cultura marginal, porque é feita pelo povo, vivida pelo povo e difundida pelo povo. É marginal porque está à margem da sociedade em todos os sentidos, porque é vítima do preconceito, explícito ou velado, porque é excluída e congrega os excluídos, dando-lhes oportunidades.

Portanto, o hip hop é uma cultura marginal, nascida na periferia, como um grito ensurdecedor de protesto, que fere, machuca e atinge. Até então o hip hop reflete o comportamento de uma classe social, uma grande parcela da população e por fim, de uma cultura com personalidade própria, singular. Esta cultura carrega consigo a força do protesto e da indignação. Ela sobrevive e se opõe ao obscuro mundo da criminalidade, contra a exclusão e incluindo, mesmo que ainda na marginalidade toda uma nação, num misto de alegria e tristeza, a cultura hip hop sobrevive, marca e faz história para quem se sente maravilhado por tudo que o hip hop proporciona.

Continuando, o rap é uma manifestação artística dentro da cultura hip hop, através do MC (Mestre de Cerimônias), assim como o break, o graffiti e o DJ.

O hip hop é uma cultura desde o dia 12 de novembro de 1974, quando o DJ Afrika Bambaataa o batizou no bairro do Bronx, gueto de Nova Iorque, na tentativa de congregar os negros do local para atividades artísticas, substituindo as brigas entre as gangues pelas rachas entre as crews (grupos) de break ao som do DJ, da voz do MC, sob os graffitis nos muros. Quando Bambaataa resolveu batizar o hip hop (termo em inglês que na tradução literal significa saltar movimentando os quadris, mas que na prática vai muito além disso), o fez na esperança de disseminar: “Paz, amor, diversão e união”, segundo as palavras do mesmo.

Quem sabe, se antes de julgar, sejam jornalistas ou hip hoppers, as pessoas pensem, observem, pesquisem e pratiquem as palavras de quem criou uma cultura?!

" Vem ardendo, sangrando e machucando. É o berro que emanda dos morros, guetos e favelas. Vem dos locais mais pobres, o grito desesperado que vem da periferia. Chega ao asfalto carregado de protesto, indignação, carência, vontade, luta, marginalidade.

A força que vem do lado negro, pobre, inferiorizado. Atinge toda sociedade com sua forma, sua arte e sua cor. O nome dela é hip hop e está aí para fazer barulho, debater as questões controversas de uma sociedade que se finge de surda para este grito de protesto.

Hip hop é um termo que vai além. Significa cultura, mas também significa movimento, arte, expressão, paz, amor, soluções, lutas e igualdade de direitos.

O hip hop é ilustrado por personagens sobreviventes de guerra. Uma guerra diária pela vida. Ele acolhe e tenta proteger os que já nascem condenados à morte. Personagens reais, cercados pela miséria, fome, desabrigo, armas de fogo, tráfico e desrespeito. Em meio a tantas armas que eles podem escolher no jogo rela do "matar ou morrer", o hip hop escolhe a maior de todas as armas: a cultura. Uma cultura marginal, mas que não é propriedade dos grandes, não é da elite nem da burguesia. É a cultura de quem foi capaz de criá-la e levá-la adiante. É a cultura das ruas, do povo.

O hip hop não foi inventado, ele nasceu naturalmente no gueto, recebeu a forma dos negros e excluídos e hoje auxilia o povo a encontrar uma identidade. Esta cultura marginal traz de volta os sonhos daqueles que carregam o sofrimento como estilo de vida. Ela eleva a auto-estima daqueles que antes eram forjados de estorvo pela sociedade.

Através de expressões artísticas intensas, o povo da periferia encontrou no hip hop a vontade de viver, motivação e a consciência de cidadania. O mínimo que o hip hop propõe com suas manifestações e expressões que mudam e desenvolvem-se a cada dia é um olhar livre de preconceitos". Texto retirado do livro Hip Hop - A Cultura Marginal

O que mais dizer senão minhas próprias palavras no capítulo de abertura do meu livro, resultado de mais de um ano de trabalho árduo para concluir, com muita dificuldade o curso de jornalismo. Fugindo da generalização de que os jornalistas são elitizados, cá estou, militando pelo hip hop e gritando, com ardor, o que eu penso sobre o texto da jornalista Bárbara Gancia.

Salve !

Paz, amor, diversão e união

Jéssica Balbino

Mais detalhes da polêmica sobre o Hip Hop no site Leia Livro

Leia também o artigo Pra que discutir com madame?, de Toni C., autor do livro Hip Hop a Lapis, no portal O Vermelho

O livro Hip Hop - Culura Marginal é uma prodiução independente de Anita Motta e Jéssica Balbino, como trabalho de conclusão de curso para gradução em Jornalismo, no ano de 2006 para a UNFAE (Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino de São João da Boa Vista, SP)

Informações sobre o livro: hiphopaculturamarginal@hotmail.com

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