A Imprensa e a Abolição

Ontem paternalista e hoje excludente, a mídia ainda trata o negro de forma estereotipada, até por não ter conseguido vencer o racismo impregnado no subconsciente da população ao longo dos séculos

Elen Genuncio

Foto: DHnet

O tema do escravismo e de sua herança na sociedade contemporânea permanece em pauta e presente nas discussões políticas e culturais. O Estatuto da Igualdade Racial, projeto de lei de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), é um exemplo, fazendo ressurgir na imprensa debates calorosos sobre o negro na sociedade brasileira.

Utilizando-se, muitas vezes, de expressões preconceituosas, a imprensa - de ontem, paternalista, de hoje, excludente - ainda trata o negro de forma estereotipada, até por não ter conseguido vencer o racismo impregnado no subconsciente da população ao longo dos séculos, conforme pode-se verificar na forma em que o negro era retratado nos artigos dos abolicionistas, seus “advogados gratuitos”.

Vale ressaltar que no período não existia o conceito de racismo, o que não impediu de o negro ter recibo adjetivos do tipo boçal, preguiçoso, pervertido, bárbaro, ignorante. Aliado a este perfil, durante décadas a historiografia apresentou o negro como sujeito passivo. As mudanças ocorridas tinham sido vitórias de uma elite branca e letrada. Este foi o pensamento vinculado na imprensa da época, composta pelos intelectuais, ou seja, uma parcela dessa elite que desejava extirpar da sociedade brasileira esta macula negra.

Não foi à toa que a implementação de cotas nas universidades gerou e ainda gera tanta polêmica. Por deter o poder da informação, a elite brasileira - em sua maioria, herdeiros de senhores de escravos - resume as propostas de ações afirmativas a apenas uma: cotas nas universidades, não abrindo o mesmo espaço para os defensores das políticas reparatórias. A chamada grande mídia publica artigos desqualificando os afro-descendentes que aderiram a essa proposta, camuflando que o Governo brasileiro é signatário de acordo internacional, acontecido durante a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001.

É importante lembrar que muitas das ações previstas do Estatuto da Igualdade Racial já integravam a lista de reivindicações dos abolicionistas, que bem antes da libertação dos escravos alertavam sobre a necessidade de reformas para garantir a cidadania desses novos libertos, como educação, moradia e terra.

Como nada foi feito, após a abolição, aos libertos - que representavam apenas 10% da população negra - couberam a liberdade a ser usufruída na miséria, sem direito a um pedaço de terra para viver ou cultivar, de moradia, de escolas, de assistência social. A alternativa foi perambular por estradas em direção aos grandes centros, iniciando assim uma nova etapa em sua história: a exclusão social.

O preço para que indenizações não fossem pagas aos senhores dos escravos foi a história de povo negro. Para evitar que qualquer indenização fosse cobrada, o então Ministro das Finanças do primeiro Governo republicano, Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1890, assinou despacho, determinando que todos os livros e documentos referentes à escravidão existentes em seu Ministério fossem recolhidos e queimados.

Mas nem tudo são lágrimas. Estudos recentes dão voz aos negros, não mais de forma pejorativa. Agora ele é sujeito da história, com seus acertos e erros. Está na resistência da luta para que seja reconhecido e respeitado pela mídia. Mesmo sem o respaldo desse setor, consegue sensibilizar a opinião pública, que não admite mais, por exemplo, que um ator branco seja pintado de negro para ser protagonista de uma telenovela, como aconteceu em A cabana do Pai Tomás, exibida pelo TV Globo, na final da década de 1969, como se através da pigmentação pudéssemos corrigir essa mancha de nossa história.

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