Festival de esperança : 7ª edição do Festival Lixo e Cidadania

Pensando a justiça, cabe ao Estado a tarefa inadiável de trabalhar por uma ordem justa na sociedade, como dever central da política
Dom Walmor Oliveira de Azevedo - Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
A 7ª edição do Festival Lixo e Cidadania, em Belo Horizonte, nesta Semana da Pátria, recoloca no horizonte da sociedade a situação dos mais pobres, os catadores, com o desafio de colocá-los como prioridade da pauta de ações sociais e encaminhamentos políticos urgentes. Consolida-se o compromisso do poder público de cultivar um entendimento da atividade dos catadores de material reciclável, pelas ruas das cidades, como um serviço prestado à sociedade, como oportunidade de trabalho digno, com o compromisso em sancionar leis que lhes dêem as necessárias condições de trabalho sem serem engolidos por projetos milionários terceirizados. No horizonte está o projeto de conquistar a legislação que garanta uma organização social respeitando os catadores na sua condição pobre sem macular o direito intocável de sua dignidade. Estas perspectivas que configuram os cenários de grandes ações, gestos e de presenças políticas significativas não podem deixar de evocar o sentido, a motivação, o ponto de partida e o alcance deste trabalho magnífico, como é o caso da Asmare e outras organizações do gênero.

Não é possível esquecer, sob pena de injustiça, as razões fortes e a generosidade da doação de pessoas que, silenciosamente, sustentadas pela convicção da fé e do amor, incentivam estes processos e lutam pela concretização destas conquistas. São admiráveis as pessoas comprometidas com a causa. Quanto maior é o comprometimento, mais discreta é a presença, constituindo uma lição de amor verdadeiro, sem tirar proveito algum para si a não ser o bem da causa, dos mais pobres. Ainda que no cenário das discussões estejam figuras e vozes políticas, com a importância do seu compromisso e a sua indispensável autoridade para concretizar as políticas públicas significativas neste âmbito, o pano de fundo deste mesmo cenário é, incontestavelmente, a Igreja Católica na sua condição, com suas pastorais sociais, referência especial à Pastoral de Rua, confirmando o que diz o papa Bento XVI, no seu discurso inaugural da 5ª Conferência dos Bispos da América Latina e do Caribe: “A Igreja é advogada da justiça e defensora dos pobres”.

A Igreja está sempre mais consciente do cuidado especial e da atenção e trabalho em prol da promoção humana como seu compromisso inalienável, que define a reafirmação cotidiana da opção preferencial pelos pobres como documento comprobatório da autenticidade da Igreja como verdadeira esposa de Cristo. Quando se chega a mais um Festival Lixo e Cidadania, já foi percorrida uma longa distância, com o enfrentamento de batalhas e dificuldades, entendimentos não favoráveis, tantas vezes, da causa dos catadores. Neste caminho a Igreja se faz companheira dos irmãos mais pobres, inspirando e dando sustento a estes projetos. E a Igreja se faz companheira dos irmãos mais pobres nesta rota, sem nenhum outro interesse. Esta é a sua missão no mundo. Esta é uma resposta de fé, fecundando a cidadania, com o anúncio e concretização do propósito de ajudar cada ser humano a descobrir em Deus o significado último de sua existência.

A Igreja se sustenta desta convicção de que ela pode responder às aspirações profundíssimas do coração humano. A capacidade de resposta que a Igreja nutre entre os seus vem do fato de que sua fé é a partir de Cristo. O Compêndio de doutrina social da Igreja, 578, recorda que a Igreja ensina ao homem que “Deus lhe oferece a real possibilidade de superar o mal e alcançar o bem”. Isto é possível porque a “esperança cristã imprime um grande impulso ao compromisso no campo social, infundindo confiança na possibilidade de construir um mundo melhor”. De um lado é dever do Estado conseguir criar uma política inclusiva. Por outro lado, a Igreja participa destes processos sinalizando o horizonte de sua esperança, convocando a todos para que se empenhem de tal maneira que a luz dos valores do evangelho vá permeando e fecundando uma compreensão nova da vida e dos compromissos sociais e políticos.

A realidade da vida dos catadores delineia um horizonte que exige empenho em prol da justiça e a audácia generosa do serviço da caridade. Pensando a justiça, cabe ao Estado a tarefa inadiável de trabalhar por uma ordem justa na sociedade, como dever central da política. O serviço da caridade é a presença profética e amorosa da Igreja inspirando e se comprometendo, permanentemente, com a vida digna de todos. Esta mesma realidade, bafejando estas duas importantes instituições, o Estado e a Igreja Católica, faz com que se toquem fé e política. Ora é a fé inspirando, por sua profecia, caminhos mais comprometidos do Estado na sua obrigação política de garantir a justiça. Ora é o Estado recebendo o suporte fecundo da fé por sua força única. Assim se realiza um festival de esperança.

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