A professora de artes teve uma ideia, ao conviver com alunos tão agressivos que a diretora da escola pensou em chamar a polícia para eles. Na hora do recreio, levou lápis e papel para o pátio, juntou-se à farra e começou a desenhar os meninos. “Quando vi, estava cercada por eles. Nunca desenhei tanto. Queriam retrato para levar para a namorada, para a família. Aos poucos, cresceu uma grande amizade entre nós e começamos a conversar sobre a vida e o mundo. Descobri que havia um meio de transformar aquela situação”, conta a artista plástica Júlia Portes. A experiência de 1981 marcou o ingresso dela em comunidades carentes para trabalhar com artes visuais, teatro, música e comunicação. “Aquele diálogo deu bons frutos”, relembra Júlia.
A pedido de professores, escolas, centros comunitários e órgãos de assistência social, a artista plástica passou a desenvolver projetos nas vilas Isabel, Nossa Senhora Aparecida e Cachoeirinha, além da Pedreira Prado Lopes, Barragem Santa Lúcia e cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Como o trabalho era interrompido a cada mudança de direção das instituições, em 2002, em parceria com a filha, Tereza Portes, Júlia fundou o Instituto Undió (casa, em banto). A iniciativa recebeu prêmios importantes, como o Ayrton Senna e o Itaú/Unicef. “Nosso grupo ganhou cinco prêmios no Festival Estudantil de Teatro, outro aluno venceu concurso de presépios”, conta Júlia, com vaidade de mestra.
Seleção de obras realizadas pela moçada do Undió compõe a exposição Criar na arte e na vida, em cartaz na galeria da Copasa. Trabalhos expressivos e fortes, passam o sentimento de liberdade de expressão. “Cor, forma e espontaneidade do gesto. Essas coisas vêm de mim e as passei para eles”, conta Júlia, com alguma timidez e muita emoção. “Não se trata de eles fazerem o que faço, mas de fazerem arte de acordo com o que sentem, sem a preocupação de agradar. Essa postura faz a pessoa ficar mais aberta, mais tranquila para experimentar. Arte é ferramenta para transformar as pessoas”, garante.
Cristina Horta/EM/D.A Press |
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Júlia Portes apresentou Aleijadinho e Hélio Oiticica à garotada |
SEGREDO O objetivo do Undió não é formar artistas, mas oferecer aos jovens a possibilidade de crescer como seres humanos. “Mas muitos estão virando artistas; outros, educadores. Há quem faça as duas coisas”, conta Júlia. O segredo dos bons resultados está na própria arte: “Ela tanto torna a pessoa mais crítica como a sensibiliza, além de desenvolver potenciais”. Não se trata de paternalismo, mas de operar com o desejo, e este é outro trunfo da arte: estimular o conhecimento “das origens” pessoais e coletivas.
A curiosidade dos participantes do projeto sobre artistas negros, por exemplo, levou à apresentação de obras de Mestre Didi, Aleijadinho, Jean-Michel Basquiat e Hélio Oiticica à garotada. “E eles adoraram”, observa Júlia. Invenção recente é o curso de multiplicadores sociais, voltado para a expansão das atividades e empregando a metodologia do Instituto Ayrton Senna. O Instituto Undió atende cerca de 150 alunos, entre 12 e 25 anos, a maioria moradora de aglomerados.
UNDIÓ – CRIAR NA ARTE E NA VIDAGaleria da Copasa, Rua Mar de Espanha, 525, Santo Antônio, (31) 3250-1506. Aberta diariamente, das 8h às 18h. Até 8 de março.
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