Se tudo continuar como está, mais de três mil pessoas serão assassinadas em Salvador nos próximos dias de 2009, segundo apontam as estatísticas, já alarmantes registradas nos primeiros dias deste ano. Os dados traem a muitos e os arautos da gestão da justiça e da segurança pública confundem truculência, racismo e guerra civil com combate inteligente e preventivo ao crime organizado. As notícias dão conta de que o número de homicídios na Região Metropolitana de Salvador (RMS) aumentou em 62,7% em relação ao ano passado .
Está difícil entender que as sistemáticas mortes de jovens negros da periferia atendem a uma mera coincidência demográfica ou à guerra dos que monopolizam a violência contra quem os confronta. A questão é: estão fabricando e comercializando uma violência institucional para frear uma violência estrutural, chegando ao êxtase de vender técnicas, estilos de vida, produtos e serviços que privatizam o espaço público, submetendo os que não podem consumir a violência institucionalizada ao destino de uma invisibilidade programada, ascendente e espetacularizada nas manchetes dos jornais. Reduto único de sua identidade civil pós-morte.
Alguns têm se debruçado sobre os feitos de um consumo irracional e anti-sustentável que produz violência. Outros tantos têm verificado que o mesmo consumo que hierarquiza, determina uma discriminação em torno de qual tipo de ser humano devem exercer o poder de compra e de venda. Agora, chegamos ao apogeu de um modelo social que estimula o consumo da violência e os apresenta como objetos na prateleira: condomínios fechados (all inclusive), grupos rivais, grupos de extermínio, direito legal de porte de arma, prisões arbitrárias, confrontos com mortes de pessoas alheias ao foco principal dessa guerra etc.
O Estado produz violência e as vende ao anunciar as mortes que se multiplicam em nosso meio. Ao enfatizar o aspecto repressivo da compra e da construção de mais artefatos e casulos, o gestor público reforça uma concepção de segurança que apenas perpetua ascendentemente as estatísticas de violência reforçando uma moldagem do que é o crime e de quem são os criminosos. Afinal, numa guerra entre rivais do tráfico, pouco se fala dos usuários, muitos deles poderosos, mas que não morrem em confrontos policiais.
Sei que uma parcela de bem intencionados estão debruçados em encontrar soluções para evitar uma guerra sem fim. Buscam-se estratégias preventivas e investigativas para diminuir a orgia de setores da sociedade civil que também produzem violência institucionalizada. As experiências têm nos mostrado que, onde deu certo, o combate a violência associou participação solidária da comunidade, políticas sociais e inteligência policial. O Estado e a gestão da polícia e da justiça não estão levando em consideração que só terão sucesso se envolverem os protagonistas da violência social num grande e merecido dialogo público. Daí, articular medidas sistemáticas e integracionistas. Propor intolerância máxima, saneamento e eliminação das “anomalias” é o mesmo que todos os outros já fizeram, e que esta gestão de governo prometeu em seu programa eleitoral que faria diferente. Causa-nos também, estranheza que programas de TV façam-se de juízes executando o papel do Estado, ao dispor livremente da vida dos indivíduos.
Participei da elaboração do programa de gestão sobre segurança pública e cidadania desse governo. E tudo que sei que projetamos foi algo bem diverso do que estão fazendo. Entre as diretrizes apontadas naquele documento estavam elencadas: priorizar o investimento nas famílias das favelas e das periferias evitando o recrutamento de jovens para o crime organizado; implementar o programa de combate ao racismo institucional nas Secretarias da Segurança Pública e da Justiça, promover parcerias com organizações não governamentais para a elaboração de mapas da violência rural e urbana, entre outras ações estruturantes de uma nova concepção de Segurança Pública Cidadã, articulada pelo Sistema Único de Segurança Pública, integrando as instituições de segurança pública e possibilitando a participação da sociedade no combate à violência e ao crime, tudo isso em completa identidade com uma vida social sustentada sob o signo da diversidade e da multiculturalidade.
Sérgio São Bernardo
advogado, mestre em Direito Público (UNB) e presidente do Instituto Pedra de Raio. email:
saobernardo@pedraderaio.org.br
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