CLÓVIS ROSSI
SÃO PAULO - O pai de Eluana Englaro, a moça italiana que morreu anteontem, quando os médicos deixaram de alimentá-la após 17 anos de vida meramente vegetativa, deu uma esclarecedora entrevista ao jornal espanhol "El País", publicada no domingo passado.
Explicava Beppino Englaro, com uma nitidez que os melhores filósofos e teólogos terão dificuldade em acompanhar: "As pessoas vivas são capazes de entender e decidir por elas próprias".
Por essa definição, que parece incontestável, Eluana não era um ser vivo e, portanto, atá-la a uma máquina, como pretendiam o Vaticano e, por pressão dele, o governo italiano, é que seria desumano.
Aplica-se idêntico raciocínio a qualquer pessoa na mesma situação, ressalvada a importante diferença traçada ontem por João Pereira Coutinho, nesta Folha, entre matar e deixar morrer.
Posto de outra forma: o Vaticano comportou-se nesse caso com o mesmo desrespeito à vida dos homens-bomba.
E, pior, não é um caso isolado. O Vaticano também havia revertido a excomunhão do bispo britânico Richard Williamson, mesmo depois de ele ter negado o Holocausto. Williamson, contra toda evidência histórica, contra todos os arquivos disponíveis, diz que os judeus mortos pelo nazismo não foram 6 milhões, mas de 200 mil a 300 mil, e que não houve mortos em câmaras de gás. Só para efeito de raciocínio, aceitemos por um segundo esse disparate. Ainda assim, qualquer pessoa que respeite a vida ficaria indignada à morte com o assassinato de 200 mil ou 300 mil pessoas, em câmaras de gás ou onde seja.
Medir o Holocausto por quilo, como parece fazer o bispo, é crime hediondo. De novo, é o mesmo desrespeito à vida dos homens-bomba, o que só prova que fundamentalismo não é exclusividade islâmica.
crossi@uol.com.br
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