A volta do bolachão

Dono da Deckdisc prepara-se para assumir fábrica de vinil no Rio
Ailton Magioli
Cristina Granato/Divulgação
Proprietário da gravadora independente carioca Deckdisc, o empresário e produtor João Augusto, de 52 anos, será o responsável pela reabertura da única fábrica de vinil da América Latina. Trata-se da Polysom, com sede em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, cujas atividades estão paralisadas desde outubro. Em negociações com os proprietários, João espera poder atender em breve a crescente demanda do mercado pelo antigo longplay. Ele está de olho não apenas no Brasil, mas também na Argentina e no Chile, onde há verdadeira idolatria pelo LP.

Levantamentos relativos aos Estados Unidos e ao Canadá mostram que o mercado norte-americano de álbuns de vinil cresceu 89% em 2008 em relação ao ano anterior, contabilizando 1,88 milhão de unidades. No Brasil, não há pesquisas relacionadas ao produto, mas especialistas chamam a atenção para o fato de que os números não contribuem para amenizar a crise do mercado fonográfico, ameaçado por downloads ilegais e principalmente pela pirataria.

João Augusto conviveu com o vinil desde a época em que era produtor da antiga Polygram. O filho Rafael Ramos, também produtor, é amante do LP. Assim que fechar negócio com os antigos proprietários da Polysom, o empresário vai elaborar um cronograma de produção para atender, primeiramente, os clientes da fábrica e a própria Deckdisc. “Logo depois, criaremos um selo para lançar títulos de outras gravadoras sob licenciamento”, antecipa.



‘‘O tamanho das capas, as inúmeras possibilidades gráficas e o fetiche da agulha nos sulcos do disco fizeram falta assim que enterraram os compactos e LPs’’

‘‘O mercado só será incrementado quando tivermos players disponíveis a bom preço’’

‘‘Rafael é o grande incentivador, ele fica discotecando vinis de sua coleção durante horas para fazer a minha cabeça’’


De onde vem o seu interesse pelo vinil?
Em grande parte, porque comecei a minha profissão de produtor de música em plena era do vinil e do cassete, por volta de 1979. A Polygram, onde dei meus primeiros passos, tinha fábrica própria e cast magnífico. É óbvio que não nos dávamos conta do quanto o som do vinil podia ser mais fiel do que o dos formatos posteriores, especialmente o CD. O tamanho das capas, as inúmeras possibilidades gráficas e o fetiche da agulha nos sulcos do disco fizeram falta assim que enterraram os compactos e LPs.

Houve aumento de vendas de LPs nos Estados Unidos e Canadá, além da Europa. Qual é sua expectativa em relação ao negócio por aqui?
No Brasil, quem quiser ter LPs tem de comprar importados. Faz falta uma fábrica que possibilite o escoamento da imensa produção musical que tivemos e temos aqui. Por isso, não há estatísticas. Lá fora, há fábricas em pleno funcionamento e todas falam em aumento na demanda, com destaque para a passagem de 2007 para 2008. Visitei uma indústria em Los Angeles que já estava trabalhando em sua capacidade total. Certamente, no Brasil o crescimento será lento, fundamentalmente pela falta de players a preços acessíveis. Mas estamos certos de que existe demanda, assim como estamos certos de que, economicamente, uma fábrica de discos passa longe da atividade lucrativa. Acho que conseguiremos atender o Brasil, a Argentina e o Chile. Naqueles países, o vinil é idolatrado. A Polysom será a única fábrica de toda a América Latina. Então, se conseguirmos empatar e manter o negócio em atividade, teremos vencido.

Por que você decidiu adquirir a Polysom? Qual era a real situação da fábrica antes de ela fechar?
Não sei qual era a situação antes de fechar, sei apenas que os donos são pessoas extremamente boas, que batalharam muito para manter aquilo, mas não conseguiram administrar. A fábrica ainda não está adquirida, estamos em fase de diligências, mas tudo indica que teremos isso resolvido em bem pouco tempo.

Quais são os planos imediatos?
Assim que fecharmos o negócio, faremos um cronograma para atender primeiramente todos os clientes – como majors, independentes etc. – que esperam a abertura, inclusive a própria Deckdisc. Logo depois, criaremos um selo para lançar títulos de outras gravadoras sob licenciamento.

O vinil, pelo menos no Brasil, ainda é objeto de culto por parte de colecionadores e de alguns pequenos selos – além, claro, das grandes gravadoras, em lançamentos de tiragem reduzida. Como você pretende incrementar o mercado brasileiro?
A demanda existente hoje já poderá ocupar a fábrica de maneira considerável. O mercado só será incrementado quando tivermos players disponíveis a bom preço.

Por que o preço do vinil ainda é tão alto no Brasil?
Por causa dos insumos, importados em sua maioria – inclusive o próprio vinil. Além da mão-de-obra especializada e dos equipamentos que não têm reposição. Mas a nossa intenção é fazer todos os esforços para baixar os preços, além de, tanto quanto possível, popularizar o vinil.

Até que ponto a sua experiência na Deckdisc vai colaborar para a administração da Polysom?
Nem sei se sou um bom administrador, mas é certo que a experiência que adquiri na indústria, junto de amigos apaixonados pelo projeto, vai ajudar muito.

Parece que você tem dentro de casa – seu filho, o produtor Rafael Ramos – um grande amante do vinil...
Amante já é pouco para ele. Fanático é o que ele é. Rafael é o grande incentivador, ele fica discotecando vinis de sua coleção durante horas para fazer a minha cabeça. É maluco e não tem a menor pena de mim, que estou me desdobrando para cuidar da gravadora e dessa novidade em nossas vidas.

Dá para prever até quando o CD resistiria no mercado? Ou vai ocorrer com ele o mesmo que se deu com o vinil – agoniza, mas não morre?
É uma pergunta muito difícil, cuja resposta já desisti de procurar. A gente vai até onde as peças resistirem. Eu só peço todos os dias que essa crise de formato não tire nossa motivação com a música em nenhum momento.

O vinil teria alguma contribuição a dar na contenção da pirataria desbragada e do download ilegal?
É muita responsabilidade para o pobre do vinil. Pirataria é sem-vergonhice, é omissão do governo, é falsa pregação social de falsos socialistas, que pensam estar ajudando pessoas com a economia informal. Vinil é místico, é um sabor diferente da música. Seu reaquecimento nunca será em volume suficiente para conter as atividades ilegais.

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