Aumenta a certeza da impunidade

Felipe Gustavo Gonçalves Caires - Promotor de Justiça em Montes Claros - MG
O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, decidiu que acusado condenado pela segunda instância só deve ser preso depois de condenação confirmada pela quarta e última instância. Referida decisão não precisa ser seguida pelos magistrados do país. Porém, caso algum tribunal inferior a contrarie, basta o “prejudicado” impetrar habeas corpus ao STF para continuar solto. A decisão também possibilitará que milhares de presos, já condenados em segunda instância, mesmo que confessos, mas com recursos pendentes de julgamento, sejam colocados imediatamente em liberdade até que a instância final aprecie seus recursos. Assim, se alguém matar ou roubar alguém de sua família, ou desviar recursos públicos, caso não seja preso em flagrante, e ainda que confesse o crime, em regra apenas será preso depois de sua condenação ser confirmada pela quarta instância, na melhor das hipóteses 10 anos depois, porque na quarta instância só há 11 juízes para todo o Brasil, e, mesmo assim, será preso apenas se o crime não houver prescrito.

Nem se diga que nem tudo está perdido porque o STF continuou admitindo a prisão preventiva para os condenados pela segunda instância. Ocorre que raramente será cabível prisão preventiva de tais condenados. Afinal, a instrução processual já acabou. Por que fugir com uma perspectiva tão distante de julgamento definitivo e tão próxima da prescrição? E o STF acha que a liberdade de condenados por crimes graves não ameaça a ordem pública, mesmo aumentando o sentimento de impunidade e de descrença nas instituições.

Entendeu o STF que a prisão na pendência de recurso ainda não julgado pela instância final, mesmo já existindo condenação confirmada pela segunda instância, feriria a chamada “presunção de inocência” consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição. Um argumento simplista e inconsequente, com todas as vênias, como se a presunção de inocência fosse absoluta e significasse impossibilidade de prender antes de apreciados todos os recursos (trânsito em julgado). Ora, se referida presunção fosse absoluta, ninguém poderia ser preso em flagrante, como autoriza a Constituição (artigo 5º, LXI), porque quando se prende em flagrante ainda não houve processo ou mesmo julgamento, nem sequer na primeira instância, muito menos trânsito em julgado. Ainda, se fosse absoluta, pela mesma razão ninguém poderia ser preso temporária ou preventivamente. Aliás, se fosse absoluta mesmo, ninguém jamais seria preso, porque não existe prazo para manejo da chamada revisão criminal em favor do condenado, de modo que, a rigor, a sentença penal condenatória jamais transita em julgado para a defesa, no sentido de não poder ser mais alterada para beneficiar o condenado.

O que a Constituição diz é que ninguém será considerado culpado – e não que não será preso – até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em nenhum país, incluindo as democracias mais consolidadas, a regra é aguardar a condenação da quarta instância para prender. É difícil acreditar em tamanha irresponsabilidade provinda da nossa própria Corte Suprema, de modo que encerro este artigo na esperança de que esse quadro se reverta, seja pela reflexão de alguns valorosos ministros do STF ainda dotados de humildade suficiente para reconhecer que erraram, seja pela reação da sociedade civil a uma decisão que pode incentivar outras “justiças” – de mãos próprias ou “terceirizadas” – no Brasil.

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