Realizados em diferentes países pelo mundo, os tribunais dão voz a mulheres vítimas de exclusão social e que atuam em comunidades buscando a superação da pobreza. Objetivo é pressionar governos e a comunidade internacional por políticas que garantam a igualdade de gênero. 70% dos pobres do mundo são mulheres.
Por: Bia Barbosa
BELÉM – Dois terços dos pobres do mundo são mulheres. Dois terços das pessoas fora da escola são mulheres. Uma mulher em cada três é uma vítima sobrevivente de violência de gênero. Diante deste quadro, feministas em todo o mundo são convictas em afirmar: a igualdade de gênero é uma condição indispensável para a superação da pobreza. Tal afirmação veio à tona mais uma vez durante este Fórum Social Mundial, inspirando a realização, aqui no Brasil, de um Tribunal das Mulheres.
Iniciados ao redor do mundo em 2007, como iniciativa da Força-Tarefa Feminista da Campanha Global de Ação contra a Pobreza, os tribunais de mulheres encontraram um novo formato – exitoso em ações de outros setores, como o debate da dívida no Brasil – para dar visibilidade, ampliar o impacto e mobilizar pessoas em torno da causa da erradicação da pobreza. E fazem isso dando voz às mulheres vítimas de exclusão social e que atuam em comunidades pobres. Nos tribunais, elas são testemunhas das violações de direitos que sofrem em função da profunda desigualdade social e, a partir de uma perspectiva local, sugerem alternativas às políticas públicas desenvolvidas por seus governos.
“Peru, Egito, Índia e Estados Unidos já fizeram tribunais de mulheres, questionando a idéia tradicional da pobreza. Não partimos da idéia de quem alguém pobre não tem condições de sair desta condição, que são vítimas. Vemos as mulheres como portadoras das soluções, como quem pode nos ensinar mais sobre possíveis caminhos para superar a pobreza”, explica a uruguaia Ana Agostino, coordenadora da Força-Tarefa Feminista. Para o grupo, os governos devem implementar programas que tenham como base uma parceria junto aos grupos pobres e marginalizados, e devem abolir urgentemente quaisquer leis discriminatórias em termos de gênero, raça e casta.
Na Índia, no primeiro tribunal, 21 organizações feministas levaram para o tribunal mulheres de comunidades de base, pertencentes a tribos minoritárias e a castas consideradas inferiores, como os dalits. A carta final com as recomendações das mulheres foi entregue em mãos ao presidente do país. No Peru, a campanha trabalhou com a temática do desenvolvimento, da educação e da segurança, revelando emocionantes e tristes histórias de sobrevivência. O sucesso foi tão grande que, em 2008, os tribunais foram incluídos nos 50 dias de ativismo global contra a pobreza, resultando em 20 sessões de testemunhos em todo o mundo.
“Depois disso, era o momento de mostrar as mulheres migrantes, negras, invisíveis numa das maiores cidades do mundo, cujo orçamento é maior do que o de alguns países. Fizemos então um tribunal em Nova Iorque, trabalhando com latinas, africanas e asiáticas e com as questões de insegurança e saúde”, conta a americana Diana Salas.
Foram ouvidas mulheres que ganham três dólares por dia discutindo suas condições de escravas; mulheres que sofreram abusos de seus maridos, contraíram o HIV e vivem sem acesso a medicamentos; árabes que passaram a ser atacadas e acusadas de terroristas depois do 11 de setembro, sendo presas e deportadas sem razões e recursos.
“Sabemos que as decisões tomadas em Nova Iorque impactam o mundo todo. Por isso, precisamos trabalhar juntas, olhar para o que está acontecendo lá. Essas mulheres têm o direito de não serem mais marginalizadas e viverem na pobreza em uma sociedade tão rica como a americana”, acredita Diana.
Denúncia às Nações Unidas
Em setembro do ano passado, durante o Evento de Alto Nível da ONU sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a Força-Tarefa Feminista denunciou a feminização da pobreza às Nações Unidas. Na ocasião, foi realizado um dia de audiências, que contou com a participação de Mary Robinson, ex-Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos. Este dia reuniu testemunhas e defensores de mais de doze países, para que manifestassem suas demandas aos líderes mundiais.
Mulheres de Uganda, Nepal e Irlanda falaram da crise alimentar cada vez maior e dos efeitos devastadores da desnutrição e da fome. Representantes do Togo, Índia e Filipinas sublinharam a importância da educação para as crianças e os adultos. As de El Salvador, Papua, Quênia, Suriname e Bangladesh clamaram por ações urgentes acerca do meio-ambiente, água e saneamento básico.
“A conjuntura da crise econômica ajudou muito a pautar este debate, porque a poucos quarteirões da sede da ONU, na ilha de Manhattan, os economistas discutiam como conseguir bilhões para salvar bancos e financeiras”, disse Rosa Lizarde, outra integrante da Força-Tarefa. “Ficou claro que não faltam recursos, mas que eles seguem sendo voltados para gerar benefícios para poucos em vez de serem voltados para a saúde, o saneamento e a educação”, completou Ana Agostino.
Aqui no Brasil, uma grande roda de conversa em pleno FSM já começou a desenhar temas que podem estar na pauta de um tribunal das mulheres, e as questões amazônica e de mudanças climáticas aparecem no centro das discussões, além da violência doméstica e da criminalização das mulheres que praticam aborto. A estratégia, comum aos tribunais, é relacionar todos esses temas com a pobreza, mostrando que somente um enfrentamento global da questão permitirá que todos e todas tenham direito a uma vida mais digna.
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