Um inferno chamado Zimbábue

Vitor Gomes Pinto,analista internacional, escritor, autor do livro ZIM: uma aventura no Sul da África
Considerado como um dos mais promissores países africanos quando o atual governo tomou posse, em 1980, o Zimbábue padece hoje de cinco males que se interligam e o sufocam: o presidente Robert Mugabe, a inflação, as epidemias de cólera e Aids, as enchentes e o caos agrícola. Mugabe, de 84 anos, e seu partido, o Zanu-PF, conduziram o país a uma crise sem precedentes, que lhes causou a derrota nas eleições do ano passado para o único arqui-inimigo remanescente: Morgan Tsvangirai do Movimento para a Mudança Democrática. Os resultados foram fraudados e Mugabe se negou a deixar o poder. Um acordo patrocinado pela Comunidade de Desenvolvimento do Sul da África (CDSA) em setembro estabeleceu que os dois líderes deveriam governar juntos. O Zanu-PF boicotou de novo os entendimentos e a CDSA voltou à carga, prevendo-se no momento que Tsvangirai poderá se tornar o primeiro-ministro no dia 11, permanecendo Mugabe como presidente. Terão de dividir os governos provinciais e o comando da economia e das Forças Armadas.

A inflação é a maior do mundo: 231.000.000% ao ano. Os preços dobram a cada dia e a maior cédula, de 100 trilhões de dólares zimbabuanos, vale US$ 300 norte-americanos, no câmbio oficial, e US$ 30, no negro (enquanto você lê, já vale 29). Depois de cortar 10 zeros da moeda no ano passado, o Banco Central acaba de eliminar mais 12, de maneira que os 100 trilhões agora são iguais a um. O governo autorizou o uso de dólares dos Estados Unidos, de libras esterlinas e rands sul-africanos, enquanto professores, médicos e enfermeiras, que não conseguem fugir para outro país, seguem em greve reivindicando salários nessas moedas. Com o sistema de saúde falido, as doenças se espalham. Sem solução para a contaminação pelo vírus HIV, causador da Aids, que ataca um adulto ou criança a cada dois minutos e meio, um agressivo surto de cólera já faz uma vítima a cada minuto e meio (1 mil novos casos por dia, com mortalidade altíssima, de 6%). O cólera é uma infecção intestinal aguda causada pelo vibrião colérico, transmitido pela ingestão de água ou alimentos contaminados pelos doentes. Pode ser facilmente prevenido e controlado por medidas sanitárias adequadas, mas o sistema de abastecimento de água, desde que foi centralizado em maio de 2005, entrou em colapso.

O governo, reconhecendo tardiamente o erro, devolveu a gestão às cidades, além de autorizar a cobrança das tarifas em dólares dos EUA e rands, tentando viabilizá-las financeiramente, mas a medida deve ser inútil enquanto a economia não se reorganizar. Com 65 mil contaminados e 3,3 mil mortos, um espetáculo comum nas ruas é o de doentes sendo carregados em carrinhos de mão para centros de saúde e hospitais, que não têm meios para tratá-los. A cólera ameaça os países vizinhos e transforma-se em um estigma. Em Ramokgwebana, pequena cidade do Botsuana, na fronteira, as pessoas evitam apertar a mão dos zimbabuanos: ao apresentar sintomas da enfermidade, são tratados e de imediato devolvidos ao seu país. A África do Sul declarou “zonas de desastre” as áreas que a limitam, pelo Rio Limpopo, com o Zimbábue.

Para complicar a situação, a estação de chuvas torrenciais vai pelo menos até meados de março, afetando principalmente o Norte no Vale do Rio Zambezi. O próprio ministro da Saúde, David Parirenyatwa, reconhece que as enchentes são um forte fator de propagação da cólera e podem anular os esforços feitos para enfrentar a epidemia. A fome, que torna metade dos 13,3 milhões de habitantes dependente de ajuda em alimentos internacional, tem sua causa na desarticulação da agricultura a partir da reforma agrária de Mugabe, que, em 2000, expulsou cerca de 4 mil fazendeiros brancos, entregando, sem indenização, as terras para negros sem experiência, nem acesso a equipamentos, mas a política de comercialização adotada pelo governo central os destruiu. Plantadores de fumo, algodão, milho e grãos em geral foram forçados por lei a vender sua produção a monopólios estatais que os pagavam com cheques em dólares locais descontados com parcimônia pelos bancos, desvalorizando-se ao ponto de não cobrir nem os custos e forçando-os a depender, na safra seguinte, de custosos empréstimos de organizações governamentais de fomento. Sem lucro, os agricultores terminaram abandonando as terras e o país, que, de exportador de alimentos, se tornou um grande importador até que a inflação estratosférica o impediu de comprar no exterior e de alimentar o povo. A combinação desses cinco fatores é trágica. As pessoas estão morrendo de Aids e de cólera antes que possam morrer de fome. Pelo visto, depois de quarta-feira, dia das eleições, nada vai mudar no país africano.

Nenhum comentário: