Fogueira do desencanto! Parece ser alusão ao linguajar de rituais religiosos que usam das estratégias próprias do mercado para vender produtos e atrair os clientes. Na verdade, é uma expressão do linguajar de especialistas que, em campos próprios do saber, buscam explicitar o que está se passando no coração humano e no coração da cultura contemporânea. Aliás, as análises da cultura contemporânea tendem a abordar, quase exclusivamente, os aspectos e perspectivas que mostram as conseqüências desastrosas dos desdobramentos sociais, econômicos e políticos. A pátria, por exemplo, tem coração. O coração da pátria é sua cultura. Esta cultura ultrapassa as significações e alcances de tudo o que diz respeito aos números de composição de sua natureza e de suas reservas. A cultura como coração da pátria define os rumos e as dinâmicas de organização de um povo e seus hábitos no tratamento de suas coisas, podendo progredir, regredir ou causar desastres ecológicos e humanos, sociais e políticos de alta monta.
É incontestável, pois, que é preciso noticiar, propagar e pôr sobre a mesa, em discussão, também o que diz respeito à cultura como coração da pátria e, por conseqüência, o coração dos cidadãos e cidadãs que configuram a pátria. Aqui, neste âmbito de análise, o coração dos cidadãos, coração da pátria, se localiza bem, sem nenhuma prévia conotação de ordem religiosa, o que significa fogueira do desencanto. Trata-se da configuração cultural contemporânea. A cultura contemporânea vive o frenesi de um clamor gritante que no coração humano ressoa como imperativo de que todos devem gozar, sempre e intensamente. Os especialistas que estudam este grave fenômeno advertem que a dinâmica desta compreensão da vida como gozo é tão forte e hegemônica que esta busca deve ser atingida, está aí o comando forte, não importa como. Este não importa como está alimentado pelo discurso capitalista pós-moderno. Todo prazer possível deve ser alcançado e não deve ser interditado.
Neste horizonte, se constata a força alucinatória da satisfação gerando estranhezas, vertentes paradoxais, o horror da morte, a necessidade de organizar a vida sem limites para poder alcançar, a tempo e a hora, o que se quer e do jeito que se deseja. O desejo se torna tirânico. Esta tirania do desejo alimenta a depressão e a angústia dos corações, instâncias insubstituíveis para a presidência da vida com sentido de cidadania e dignidade. Este quadro tem complicações em se considerando o empobrecimento das razões que sustentam a esperança e norteiam os caminhos a serem percorridos. É óbvio que uma cultura configurada assim não se sustentará, esvaziando razões políticas, filosóficas, éticas e religiosas para edificar compreensão e vivência com nobreza e profundo sentido social. É incontestável, portanto, que as razões que dão sentido são aquelas do mercado, atiçando o desejo para vôos alucinatórios. As dinâmicas da cultura do individualismo competitivo passam a presidir projetos de vida, sentimentos, as relações entre as pessoas e os entendimentos a respeito de responsabilidade social e participação política.
Ora, o indivíduo é levado pelo desejo desenfreado da felicidade. A felicidade é entendida sempre como sucesso. A conquista do sucesso, identificado como felicidade, inclui a terrível dinâmica da eliminação do outro. É a eliminação moral, física ou profissional. Curiosamente, esta dinâmica, no entanto, não traz a saciedade desta felicidade procurada a todo custo. Não traz porque o discurso é estéril e inconsistente para sustentar o desabrochar de uma alegria duradoura e a conquista de um prazer que não seja fracassado. O resultado de tudo isso é uma cultura marcada pela angústia e pela depressão camufladas em promessas ou projetos de muita fachada; em busca desarvorada pela garantia de uma auto-imagem intocável e de comodidades garantidas. Há, pois, neste quadro de complexidades um comprometimento da existência como substrato de uma cultura cidadã e nobre.
Aí está a fogueira do desencanto incomodando muita gente e sendo encoberta por muitas coisas que só têm fachada, mesmo quando contabilizam números que impressionam e configuram cenários que comprovam avanços. Os especialistas destas análises apontam que esta cratera deste amplo vazio deve ser enfrentada, para sua superação, dando suporte à cidadania que a pátria precisa ter, com uma consistente dimensão política, estética, filosófica, ética e religiosa. Particularmente, estas dimensões, ética e religiosa, têm, na proposta da fé cristã, uma resposta garantidamente fecunda. Na contramão do alucinatório desejo que reacende a fogueira do desencanto, está a indicação da experiência de ser discípulo. O outro é o Mestre, Jesus Cristo, dando uma nova dimensão à vida, pela experiência de encontro com Ele. Este encontro é um encantamento inigualável para fecundar a cultura da pátria. |
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