Pesquisa mostra dificuldade de acesso a programas sociais pelos moradores de rua

Benefício negado

Glória Tupinambás
Sidney Lopes/EM/D.A Press
Salim de Sá ensinou os participantes da oficina O mundo real como fazer e tocar instrumentos produzidos com material reciclável

Quase 90% dos moradores de rua do país não recebem qualquer benefício de programas sociais do governo, como Bolsa-Família ou aposentadoria. Dados da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), deixam claro o retrato perverso da exclusão, que ocorre até em projetos de assistência pública. O levantamento, em 71 municípios brasileiros, foi apresentado ontem, em Belo Horizonte, durante o Festival Lixo e Cidadania. Em Minas, cinco cidades foram analisadas: Betim e Contagem (na região metropolitana), Juiz de Fora (na Zona da Mata), Uberlândia (no Triângulo Mineiro) e Montes Claros (no Norte do estado).

A pesquisa identificou 31.992 pessoas com 18 anos ou mais morando nas ruas dessas 71 cidades. Dessa população, apenas 11,5% são atendidos por programas sociais, sendo que 3,2% recebem aposentadoria, 2,3% são contemplados com Bolsa-Família e 1,3% ganham Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC). O levantamento foi feito, entre outubro de 2007 e janeiro deste ano, em 23 capitais e 48 municípios com mais de 300 mil habitantes. Belo Horizonte, São Paulo (SP), Recife (PE) e Porto Alegre (RS) não participaram por já terem estudos semelhantes. Em BH, o Censo de População de Rua, feito em 2005, constatou a existência de 1.164 adultos nessa condição.

Os moradores de rua representam menos de 1% (0,061%) da população das cidades analisadas. A pesquisa ouviu pessoas em situação de rua que vivem em calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, postos de gasolina, túneis, depósitos, prédios abandonados, lixões ou passam a noite em instituições de passagem e apoio, como albergues, abrigos e igrejas. Foi identificada uma maioria masculina, que representa 82% do público total. Pouco mais de 50% deles têm entre 25 e 44 anos e 30% se declararam negros.

Os resultados serão usados pelo governo federal para desenvolver uma política nacional de inclusão dessa população. “A proposta é construir um plano de ações que envolva todas as esferas: cultura, segurança alimentar, moradia, saúde, educação e direitos humanos. O MDS está incluindo essas pessoas no cadastro único para programas do governo federal, pois a pesquisa mostra que há uma sinergia perversa da exclusão. Apenas 11,5% dessas pessoas têm acesso a benefícios da assistência social, apesar de serem o público mais necessitado. O problema pode estar no desenho dos programas, que tem base de cadastro domiciliar. O mesmo ocorre com serviços de saúde e educação, o que caracteriza uma vulnerabilidade composta de várias facetas”, afirma a coordenadora-geral de Avaliação e Monitoramento do MDS, Júnia Quiroga.

DIREITOS HUMANOS O Festival Lixo e Cidadania promete debater temas sociais e agitar a programação cultural de BH até sábado. A sétima edição do evento, que este ano traz como tema os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, conta com apresentações teatrais, exposições e feiras de produtos reciclados. Uma das principais atrações é a Central de Idéias, que reúne trabalhos de 20 artistas, comSalim de Sá, de 39 anos, coordenador da oficina O mundo real melhor. Em suas mãos habilidosas, tampinhas de garrafa, chaves velhas, filmes fotográficos usados, tubos de PVC, garrafas PET e embalagens descartáveis viram instrumentos musicais e ajudam a mudar a realidade de 50 jovens carentes de Contagem.

Da flauta de três notas, do apito de êmbolo ou dos tambores de sacos de cimento e radiografias antigas Salim tira os sons que encantam a juventude. “Construímos instrumentos de sopro, de corda e de percussão e ensinamos os garotos a tocar. Mas também vamos mais longe e contamos a história dos objetos, como eles chegaram ao Brasil e como foram apropriados na nossa cultura. Além da importância social, ajudamos a preservar o meio ambiente e aproveitamos tudo o que seria descartado no lixo”, diz Salim. Um outro destaque do evento é o artista Wilson Passos, que ensinou a produzir aviões feitos com material recicláveis e encantou os presentes com uma miniexposição com as peças mais bonitas.

Para hoje estão previstos dois painéis: Domínio de cadeias produtivas e de energias renováveis e Os condenados da cidade: as multifaces da pobreza e das desigualdades sociais na contemporaneidade. Os debates serão na área principal do festival, no Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), na Rua Belém, 40, no Bairro Esplanada, na Região Leste de BH. À noite, haverá shows de Zé da Guiomar e Mundo Livre S/A, no Lapa Multishow.

Nenhum comentário: