Record investe R$ 500 mil por episódio de "A Lei e o Crime", de Marcílio Moraes, que estréia hoje; série reforça a tendência da televisão de explorar o filão "favela movie" e tematizar a periferia
Fotos Divulgação |
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Dias Gomes costumava dizer a colegas autores da Globo: "Nem adianta criar pobre, a Globo não sabe fazer. Você coloca um barraco no texto, e eles já transformam em mansão".
Marcílio Moraes, ex-novelista da Globo, hoje na Record, usa a história para ilustrar uma mudança na TV, que desde o sucesso do filme "Cidade de Deus" (2002), em sua opinião, percebeu que tematizar a periferia pode ser um bom negócio.
Entra no ar hoje, às 23h15, na Record, mais um produto derivado da onda "favela movie". Com um investimento alto para os padrões brasileiros, de R$ 500 mil para cada um de seus 16 episódios semanais -em média, o dobro do custo de um capítulo de novela na Globo-, o seriado "A Lei e o Crime", de Moraes, leva de novo os holofotes da TV a morros cariocas.
"A televisão teve de romper com a antiga estética global, em que era inconcebível mostrar a favela da forma realista. Quando aparecia, a periferia vinha com assepsia, clarinha, bonitinha", afirma o escritor.
Mas foi exatamente a Globo a primeira a "aprender a fazer pobre" na dramaturgia. A rede levou ao ar em 2000 o especial "Palace 2", de Fernando Meirelles, que serviu de teste para "Cidade de Deus", indicado a quatro Oscars. Depois veiculou um "filhote" do filme, a série "Cidade dos Homens", sobre a vida de dois garotos da favela carioca. Exibiu ainda "Antônia", também da produtora de Meirelles, a O2, com mulheres negras da periferia paulistana como protagonistas, e "O Paí, Ó", com personagens do cortiço do Pelourinho, em Salvador.
À Folha, em 2008, Meirelles falou sobre a tendência. "Antes havia o chavão de que "pobre não gosta de ver pobre". "Cidade de Deus" fez grande bilheteria, "Carandiru" o superou, "Tropa de Elite" virou esse fenômeno. Aí, caiu a ficha, né, "poin'!"
Enquanto na Globo a periferia era "experimentada" nos seriados, a Record e Marcílio Moraes foram pioneiros em colocar a favela no centro de uma telenovela -o que a Globo fez depois, com "Duas Caras". "Vidas Opostas" (2006/07), primeira trama do autor na Record, foi gravada em uma favela, a Tavares Bastos, e teve sucesso no Ibope ao mostrar cenas -especialmente as violentas- do cotidiano dos morros.
"Está havendo uma maior inserção das classes C,D e E no consumo. Como a TV é movida por publicidade, isso passou a influenciar empresários das redes, que se abriram a obras que mostrem a periferia", analisa.
Moraes e o diretor Alexandre Avancini voltam à Tavares Bastos no primeiro seriado da nova fase da dramaturgia na Record. "A Lei e o Crime" não só deriva do "favela movie" como segue a tendência de investimento em policiais, na rabeira do fenômeno "Tropa de Elite" -fora "9MM", exibido pela Fox, sobre a polícia de São Paulo, a Globo também tem um projeto nessa linha.
Um dos protagonistas de "A Lei e o Crime" é um policial interpretado por Caio Junqueira, astro de "Tropa de Elite". Ele quer se vingar do cunhado (Ângelo Paes Leme), que matou seu pai e virou traficante.
"O que quero mostrar agora é essa fronteira pouco clara entre a lei e o crime, que nos morros existem várias "leis" a partir da ausência da lei do Estado."
Moraes diz que sua série não é filhote de "Tropa" -cuja adaptação para uma série é o "sonho de consumo" da Globo e da Record. "No filme, o espectador se identifica com o capitão Nascimento e, logo, com a postura de que "bandido bom é bandido morto". Estou criando a história para que o público não se identifique nem com o traficante nem com o policial vingativo. Quero que sejam vistos de forma crítica."
Resta saber, a partir de hoje, se "A Lei..." dará ou não argumentos para José Padilha, diretor de "Tropa", rebatê-lo.
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