Mariana Bonora: Os rumos do hip-hop, formas de preservação do movimento



Faz tempo que não escrevo nada sobre o movimento hip-hop, eu fiquei praticamente os quatro anos da minha faculdade pesquisando, lendo e escrevendo sobre esse movimento socio-cultural. Não só isso, fiquei, especialmente no último ano, em contato direto com todas as manifestações do hip-hop na minha cidade. Na tentativa de escrever algo sobre esse movimento, que eu admiro muito e que ao mesmo tempo me entristece ao ver que os alicerces do hip-hop em Bauru estão se enfraquecendo em alguns pontos, eu lembrei de um epsódio durante a minha faculdade.


Quando eu estava fazendo minha iniciação científica, eu pesquisava sobre a obra dos Racionais MC's na época, uns colegas estavam fazendo um trabalho sobre negros, acho que era uma radiorrevista e vieram me entrevistar já que eu pesquisava o movimento hip-hop, que tem uma raiz inegável nas questões raciais, tanto na temática como no próprio sentido cultural do movimento, nas suas influências que vêm dos tempos dos griots africanos. A primeira pergunta foi sobre a questão do preconceito racial, presente nas músicas, como funcionava isso dentro do movimento. Eu não lembro exatamente o que respondi, mas, eu abordei mais pelo lado social e não a questão racial em si, pelo fato de temáticas diferentes estarem aparecendo no mundo do hip-hop, pelo fato de pessoas brancas, também, participarem dessa evolução, tanto como consumidores ou artistas de cada uma das quatro manifestações. E, assim, a música do hip-hop, o rap, passou a abordar uma temática mais social. Beleza, mas, hoje eu vejo essa reposta como um pouco ingênua.

De fato as temáticas são variadas dentro do rap. Hoje na verdade se vê letras que podem falar sobre tudo, inclusiva da ''bailarina, que era tão linda'' e demais rimas (pobres) que se vê por aí. No entanto, eu acho que isso inclui uma outra questão, o rap como estilo musical e o rap como um elemento do hip-hop. Eu sei que muitos puristas do movimento são contra isso, contra a comercialização da música do hip-hop (o rap), mas, isso é fato inegável. O estilo assumiu contornos que hoje não existe mais um perfil de um cantor de rap. Um estilo musical tem certas caracteristícas que o identificam como tal, e isso, também, acontece com o rap.

Mas, a discussão não deve ser se isso deve ou não acontecer, porque a música é licença poética, se um artista a tem, ele pode falar sobre o que quiser no ritmo que for conveniente, cabe ao público aprovar a não, com respectivas palmas ou vaias. O que deve ser preservado sempre é a raiz do hip-hop, e o hip-hop não é só rap. Uma vez eu estava entrevistando um cara que dava oficinas de grafite e ele falou uma frase que eu guardei e reflete bem isso, não lembro bem o que eu perguntei a ele, mas, no meio da resposta ele afirmou que ''o hip-hop é um elemento do grafite, mas, não necessariamente o grafite é sempre um elemento do hip-hop''. A consciência disso poderia evitar muitas discussões vazias. Manifestações paralelas são formas de arte. O que tem seu valor sim, claro, é cultura. Mas, a essência do hip-hop é muito mais que isso, ele é um movimento com raízes sociais, com ações e manifestações que refletem essa questão. E nesse ponto não existe licença poética, só quem é pode ser, só quem vive essas raízes pode saber e cantar, desenhar, dançar ou musicar isso.

Diante disso, eu acredito que são discussões vazias decidir quem pode ou não cantar rap, grafitar, ser DJ ou b-boy, é perder tempo pensar em maneiras de frear a comercialização do rap, é tentar parar com um processo que acontece com todas as formas culturais que transpuseram os muros formado pelo grupo social onde nasceram, formas que ganharam visibilidade e sucesso. Quem conhece a história de evolução dos ritmos musicais negros entende o que eu estou falando, de alguma forma ele se renderam ao mercado, muitas vezes não pela ação dos que os inventaram, mas, pela apropiação por parte de outras camadas sociais. A bandeira do movimento tem quer ser a preservação do próprio movimento.

Um cantor de rap não é necessariamente um militante do hip-hop, mas, um militante que se reduz a um artista apenas não pode ser mais considerado parte integrante do hip-hop. É nesse ponto que o a luta tem que se focar, em ações que viabilizem o lado social do movimento e que isso seja passado para a nova geração, através de oficinas, palestras, debates e outras formas de discussão para o hip-hop não se transformar em uma fábrica de artistas e sim continuar sendo uma ferramenta de inclusão social através da cultura, um movimento socio-cultural legítimo que se manifesta em quatro pilares artísticos (os elementos) e um pilar fundamental: o conhecimento.

Um conhecimento que é necessário por parte dos críticos do movimento também. Por isso eu bato palmas para o artigo do Aliado G publicado recentemente no Hip-Hop a Lápis, onde ele esclarece e explica mais uma vez a rica raiz do rap e indica nessa história um ponto que deve ser explorado pelas manifestações artísticas do hip-hop – a raiz africana. Eu acredito que o hip--hop no Brasil tem que se prender mais a essas influências e buscar a cara brasileira do movimento se afsatando um pouco da matriz norte-americana que já perdeu muitos dos seus ideais, pelo menos é o que espelha a nova geração de rappers que vemos se multiplicar a cada dia, como uma verdadeira fábrica de artistas. Eis um caminho a ser trilhado: a busca pela Mãe- África.

Mariana Bonora é jornalista formada na Unesp - Bauru.


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