Ruzzo Medina, Roldán Gonzáles e Yotuel Romero encontram a fórmula para o rap purificar as referências norte-americanas que predominam no gênero. Para os três artistas cubanos, radicados na Europa, a solução é simples, e está na busca cada vez mais honesta das raízes do país onde se criaram. Afinal, nasce em Cuba uma das músicas populares mais intensas, ricas e insinuantes, que provoca o mundo, em qualquer estilo. Para o Orishas, que se apresenta em Belo Horizonte no fim do mês, na turnê internacional de lançamento do novo CD, Cosita buena, a fusão de beats eletrônicos com a força da tradição africana e suas variações, que deram origem ao son e à salsa, é a essência do trabalho que deixou de ser proposta para se consolidar como a marca do mais bem-sucedido grupo de hip hop da América Latina.
Com 12 faixas – Cosita buena, Maní, Bruja, Camina, Guajira, Borrón, Mírame, Que quede claro, Machete, Isi, Público y Melodías – e o bônus track Hip hop conga, Cosita buena é considerado o disco mais autoral do grupo. Depois da experiência adquirida com os quatro trabalhos anteriores, desta vez eles cuidaram pessoalmente de todas as etapas do projeto, incluindo produção e composição. E se permitiram influência do ambiente musical europeu, em que estão imersos desde 1997. “Partimos juntos, do zero, até que tudo ficasse pronto. Continuamos com todas as fusões, porque esse é o fundamental no Orishas, mas é natural que o que vivemos na Europa nos pegue um pouco também”, adianta o rapper Yotuel.
Nas músicas inéditas estão os sinais de que o trio é eclético. Eles escutam do rock ao guaguancó, passando pela indie music e a música eletrônica. “Não há nada específico, que nos interesse mais. Gostamos de tudo. O que nos faz diferentes é a consciência de que a música popular cubana está entre as melhores do mundo, e não vamos renunciar a esse privilégio, a esse legado”, diz.
Rebelde numa cultura disciplinada, Yotuel conta que se formou nas ruas. Não ingressou em escola de música e optou cedo pelo hip hop. Ele foi um dos fundadores do coletivo Amenaza, em Havana. O grupo, anterior ao Orishas, encontrou dificuldades para expressar suas opiniões a respeito do que ele chama de “racismo da polícia contra a juventude” no cotidiano em Cuba. Ele conta que as músicas foram censuradas pelas rádios oficiais e que seria impensável a gravação de um disco do Amenaza nos estúdios da Egren – a gravadora mais bem estruturada do país, também mantida pelo governo. “Foi muito difícil fazer esse trabalho lá. Éramos uma espécie de Public Enemy”, lembra Yotuel, citando artista emblemático do rap norte-americano.
Desde que me levanto, o que como, leio e vejo faz parte da minha vida e se reflete na minha poesia. Mais que poesia, o rap é a minha vida
Yotuel, rapper
Ainda assim, venceram o festival Hip Hop Havana, em 1995, e receberam como prêmio viagem a Paris, para intercâmbio. Essa foi a oportunidade que mudou a história dos rappers, inicialmente convidados para integrar o projeto Afro Cuba Orishas Underground de Havana. Nos primeiros anos na Europa, Yotuel lembra que também não foram poucas as dificuldades. Morou no metrô, passou fome e muitas vezes roubou alimentos em supermercados. “O Orishas mudou minha vida, para melhor, mas passamos por um processo duro até chegarmos ao estágio em que estamos hoje”. Por isso, ele diz, sua poesia não se alimenta de sonhos, ou ideologia, mas da realidade, com tudo que ela oferece. “Desde que me levanto, o que como, leio e vejo faz parte da minha vida e se reflete na minha poesia. Mais que poesia, o rap é a minha vida.”
ESCOLA DAS RUAS Dos três integrantes do Orishas, Roldán é o único que passou por formação musical tradicional, em classes de violão. Os outros dois, brinca Yotuel, são da escola Beny Moré, lembrando um dos maiores e mais destacados talentos da música cubana, que também aprendeu na prática a emocionar o público com suas melodias. Nas ruas, diz o rapper, ele aprendeu a realizar sonhos, a não aceitar limites impostos e a ter seu próprio estilo. “Entendido em tudo e licenciado em nada. É assim que me vejo.” A última vez que o Orishas se apresentou em Cuba foi há oito anos. Embora queira retornar ao país, ele não o fará enquanto não houver condições para show de grande porte do grupo. “Queremos fazer o show que as pessoas merecem.”
Há três anos sem se apresentar no Brasil, o músico conta que é grande a expectativa do retorno. Brasileiros e cubanos, ele diz, são irmanados pela matriz africana. Djavan, Caetano Veloso, Chico Buarque, entre muitos outros, influenciaram a nova trova cubana, principalmente pela afinidade cultural, na avaliação de Yotuel. “Sabemos o quanto é difícil músicos de outros países terem sucesso no Brasil, pela qualidade da música, que não deixa espaço para concorrência, mas somos recebidos como filhos do país, e isso nos orgulha”. Depois dos 60 shows realizados na Europa e da passagem pela América do Sul, o Orishas segue com Cosita buena para os Estado Unidos.
DISCOGRAFIA
A lo cubano (1999)
Emigrante (2002)
El kilo (2005)
Antidiótico (2007)
Cosita buena (2008)
GRAMMY
Antidiótico, quarto CD do Orishas, recebeu três Grammy, nas categorias melhor álbum de música urbana, melhor canção urbana e melhor vídeo, além do Grammy Latino de melhor música urbana.
ORISHAS – COSITA BUENA
Chevrolet Hall, Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, Savassi, (31) 2191-5700. Dia 31, às 21h. Abertura de Paco Pigalle. Pista/arquibancada: 1º lote: R$ 80 (inteira); R$ 40 (meia-entrada); 2º lote: R$ 90 (inteira), R$ 45 (meia-entrada); 3º lote: R$ 100 (inteira), R$ 50 (meia-entrada).
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