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O filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, nos dá a ver a abordagem da violência do tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro sob a ótica e a ”ética” do policiamento ostensivo, ou seja, do policiamento uniformizado e armado, que tem por missão a prevenção e a repressão do delito. Como nos ensina Leonardo Boff, “todo ponto de vista é a vista de um ponto”, no caso em pauta, a violência nos é apresentada desde o ponto de vista dos integrantes do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (a Tropa de Elite seriam os nossos Intocáveis?).
A mesma situação poderia ser abordada de outros ângulos, por exemplo, o do crime organizado (como no Poderoso Chefão), o dos moradores das favelas não envolvidos com o crime, o das pessoas não faveladas atingidas pela violência, o das organizações de promoção e defesa dos direitos humanos, o da opinião pública e o da mídia que a formata.
Para combater esta e outras formas de crime organizado, o Estado detém dois monopólios: o do emprego da força e o de privar as pessoas de liberdade. Esses poderes da autoridade policial visam tornar efetiva e eficaz a resposta da sociedade ao delito com base na lei. A forma como uma sociedade atua na prevenção e na repressão do delito é parte da sua política criminal. Neste ponto, uma pergunta se impõe: a atuação da Polícia Militar na modalidade que nos é apresentada é parte do problema ou parte da solução?
A julgar pela reação das pessoas que assistiram o filme, segundo vários comentários, a ação da polícia é vista como parte da solução. Se, por outro lado, consideramos a visão dos ativistas de direitos humanos, essa mesma atuação passa fazer parte do problema. A opinião pública alimentada e retroalimentada diariamente pela mídia tende a perfilar-se ao lado dos que defendem a primeira posição. Nesse contexto, o que prevalece é a sensação de insegurança, que atinge, ao mesmo tempo, diversos segmentos sociais. Este sentimento está na raiz de uma atitude básica assumida pela maioria da população: é preciso combater a violência a qualquer preço. No caso, o preço a ser pago é a tolerância generalizada ao uso de estratégias e táticas, que se dão à margem da lei.
Os policiais, como ocorre com os agentes penitenciários, são funcionários encarregados de fazer cumprir a lei. Em nome da segurança cidadã é lícito admitir, como um mal menor, práticas como a tortura, a corrupção e a violência generalizada contra pessoas não envolvidas com o delito? É por aí que passa a linha divisória entre as duas posições assumidas pela sociedade diante da situação que o filme nos coloca. Para o senso comum, a conduta do BOPE deve ser encarada como um bem ou pelo menos como um mal menor. Já para os defensores do bom senso, estamos diante de uma tentativa desesperada de “apagar fogo com gasolina”. O desafio, a nosso ver, está em fazer com que o senso comum e o bom senso caminhem de mãos dadas. Definitivamente, isso não é o que está ocorrendo no momento.
Como fazer com que os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei cumpram seu dever sem prejuízo da eficiência e da eficácia no combate ao crime? O primeiro ponto é que a lei deve ser cumprida com severidade e sentido de justiça. No caso dos adultos, a resposta ao delito deve basear-se no que está disposto no Código Penal. No da menoridade, a legislação pertinente é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como, no entanto, o sistema de administração da justiça deve proceder no caso de uso instrumental de pessoas entre 12 e 18 anos por parte de criminosos adultos no cometimento de delitos? Nosso entendimento é de que tal conduta deve ser considerada um fator agravante no julgamento dos responsáveis por tais práticas. Quanto aos adolescentes nessa situação, o ato infracional cometido, em razão das circunstâncias (envolvimento com o crime organizado), deve ser caracterizado como de violência ou grave ameaça à pessoa, implicando, assim, no emprego da medida socioeducativa de privação de liberdade.
O importante é que o direito à segurança dos cidadãos e os direitos humanos dos adolescentes e adultos autores de atos que quebram a Lei Penal não sejam considerados como irmãos inimigos, de modo que, quando um entra em cena, o outro necessariamente tenha que sair. Como fazer isso? Cumprindo a legislação, elaborando uma política criminal, que saiba balancear o emprego da inteligência com o emprego da força, e aprimorando de forma intensiva as técnicas de ação policial empregadas no combate concreto e direto a essa modalidade de crime organizado.
Antonio Carlos Gomes da Costa
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