ROBERTO DELMANTO JUNIOR
Se a população com curso superior no Brasil é de quase 7%, a população carcerária com esse nível não chega a 0,4%. A diferença é gritante |
AFIRMOU O ministro Gilmar Mendes, em campanha pela reintegração dos presos, que 96% ou 97% dos réus presos são pobres. Acrescentamos, pobres e, em sua grande maioria, analfabetos ou sem o ensino fundamental completo, acusados de furto qualificado, roubo e tráfico de drogas.
Segundo o Ministério da Justiça, no ano de 2008, 10,9% dos presos em Mato Grosso eram analfabetos e 40,1% não haviam terminado o ensino fundamental. Somente 0,39% tinha curso superior.
Dados oficiais da Bahia (2007) são similares: 13,2% dos presos em Salvador eram analfabetos; 45,9% não haviam completado o ensino fundamental; 4,7% com ensino médio. Com curso superior, 0,3%. A exceção é no interior, onde 79,6% dos presos nem concluíram o ensino fundamental! Em São Paulo, o nível de ensino é um pouco superior. Levantamento da Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel, em 2004, revelou que 47% dos presos tinham grau de instrução de quinta a oitava séries e 11% haviam concluído o ensino médio.
Segundo o IBGE, em 2003, o índice de analfabetismo da população com mais de 15 anos era de 11,8%; mas o índice apresentou grande desigualdade: no interior do Nordeste, o analfabetismo da população a partir dessa faixa etária era de 39,1%, ao passo que na região Sul era de 5,8% e, na Sudeste, de 6,2%. Três em cada cinco estudantes matriculados no ensino fundamental, segundo o IBGE, abandonavam a escola entre os 15 e os 18 anos.
Em 2000, os índices eram piores.
Da população de 85 milhões de brasileiros com mais de 25 anos, cerca de 12 milhões de cidadãos (14%) não frequentaram um ano de escola sequer; 41 milhões (48%) não terminaram o ensino fundamental. Só 14 milhões (16,5%) tinham completado o ensino médio; graduados em faculdades, só 5,5 milhões (6,5%), e, com mestrado ou doutorado, 300 mil (0,35%).
Verifica-se, quanto à população analfabeta ou que não completou o primeiro grau, certa simetria entre os brasileiros em liberdade e os presos: de 40% a 50% da população fora e dentro da cadeia. Por outro lado, se a população com curso superior em nosso país é de quase 7%, a população carcerária de pessoas com esse nível educacional não chega a 0,4%. A diferença é gritante.
Isso se explica, em parte, pelo fato de a falta de educação estar vinculada à pobreza e à exclusão social, o que leva muitas pessoas nessas condições a delinquir. Boa parte delas, se tivessem tido melhores chances, jamais ingressariam na vida do crime.
Mas a parcela com alto nível educacional de nossa população não comete crimes? Claro que sim, e são vários os exemplos. Estão todos os dias na mídia. Dizia o penalista Manoel Pedro Pimentel: "Todos somos criminosos em potencial".
Isso porque as deformações de caráter atingem pessoas de todas as classes e níveis de instrução. Existem, ainda, aqueles que acabam delinquindo em razão de dependência química, sendo doentes que precisam de tratamento. Também os que praticam um ato ilícito em momentos de grande estresse, bem como de forma não intencional (por imprudência, imperícia ou negligência). Poderiam dizer que esses números indicam a impunidade da elite. Não penso assim. Atualmente, o direito penal tem sido muito rigoroso com os ditos "crimes de colarinho-branco".
Há, no Judiciário, especial atenção para eles, por vezes extrapolando-se, lamentavelmente, os limites da legalidade no afã de prová-los e punir os seus autores exemplarmente.
O fato é que muitos dos "crimes de colarinho-branco" são de difícil investigação, exigindo atualização e inteligência das polícias, ao contrário do que ocorre com delitos de furto, roubo e o pequeno tráfico de drogas -o das "mulas" e assim por diante.
De qualquer forma, e pensando nos mais necessitados, precisamos, urgentemente, de uma melhoria da educação, propiciando maior mobilidade social e integração, esperança ao jovem por uma vida melhor. A falta de ensino e oportunidades é um convite para que o jovem entre na vida do crime e dela nunca mais saia.
Com educação é que se desenvolve a autoestima, que se revela o potencial criativo, dando à juventude valiosos instrumentos para que possa lidar com suas frustrações, buscando respostas fora da violência e da dependência em drogas.
Com melhor educação, e não cadeia, é que iremos diminuir o grande número das pessoas que lotam as nossas desumanas prisões, que estão tornando as pessoas piores.
Verdadeiras universidades do crime dirigidas por organizações criminosas que se instalaram em nosso sistema carcerário.
Leva tempo e não há milagres, mas a responsabilidade é nossa.
ROBERTO DELMANTO JUNIOR, 40, é advogado criminalista, mestre e doutor em direito pela USP. É coautor do livro "Código Penal Comentado".
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