OUTRA REALIDADE


Mulher é a nova chefe do lar
De 1993 a 2006, total de famílias formadas por casais com filhos e comandadas por elas cresceu mais de 10 vezes, de 200 mil para 2,2 milhões, reflexo do avanço das brasileiras no trabalho
Sandra Kiefer
RETRATOS DA VIDA

O homem está deixando de ser o chefe da casa, dividindo esse papel com a mulher e até transferindo para ela as responsabilidades de sustentar e cuidar dos filhos. No Brasil, o total de famílias formadas por casais com filhos e chefiadas por mulheres cresceu de pouco mais de 200 mil, em 1993, para 2,2 milhões em 2006. Em 13 anos, esse novo modelo da família brasileira expandiu 10 vezes, evoluindo de 3,4% para 14,2% do total de lares brasileiros, segundo a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher.

Não há dados suficientes no estudo para explicar se essas mulheres estão trabalhando fora e o homem cuidando da casa, ou se elas passaram a ganhar mais que o marido e se sentem mais confiantes para tomar decisões. “Fato é que as mulheres estão sendo reconhecidas como chefe dentro de um casal e que essa mudança ocorreu em espaço curtíssimo de tempo. Uma transformação cultural dessa ordem costuma levar mais de uma geração para acontecer”, compara a antropóloga Alinne Bonetti, pesquisadora do Ipea. Segundo ela, a virada das mulheres reflete uma mudança mais profunda em curso nas convenções sociais e nos valores da sociedade brasileira. “Na época dos nossos avós, as mulheres ainda se sentiam vitimadas, levadas a cumprir as expectativas sociais em relação à ética do cuidado da casa, dos filhos, dos doentes.”

Moradora do Conjunto Santa Maria, a doméstica Maria Pinheiro de Oliveira não sente o menor constrangimento em dar as ordens dentro de casa. Ela ganha R$ 870, quase três vezes mais em relação ao companheiro, pai de três dos seus sete filhos. Ele recebe R$ 350 fazendo bicos como servente de pedreiro. “Se eu ganho mais do que meu marido, ele é que devia achar ruim. Mas ele não está nem aí”, despreza ela, que trabalha de dia como doméstica e, à noite, ainda cuida de uma idosa de 84 anos. No intervalo de 16h às 22h, cuida da casa e dos filhos entre 9 meses e 21 anos, que ajudam nas tarefas domésticas. “Os homens de hoje querem tirar o pé fora e deixar o pesado com as mulheres”, completa ela.

Dentre os novos arranjos familiares, a pesquisa detectou também um ligeiro aumento das famílias formadas por homens cuidando sozinhos dos filhos. Na última década, esse modelo cresceu de 2,1% para 2,7%. “Embora tímido, o crescimento dessas famílias masculinas tem sido acompanhado de perto por pesquisadores por ser um indício de mudanças comportamentais no que se refere aos padrões hegemônicos da masculinidade brasileira. Ele assume a responsabilidade tanto pela provisão quanto pelo cuidado da sua prole”, diz o levantamento, que teve como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1993 a 2007. Nesse estudo, ainda não foram incluídas outras configurações familiares, como por exemplo os casais gays, que devem entrar na próxima Pnad.

A maior representatividade das mulheres nas famílias tem uma correlação direta com sua entrada no mercado de trabalho, que as levou a ter o próprio salário e a dividir as despesas com o marido. Com pouco mais de 30 anos do movimento feminista, datado a partir de 1975 no Brasil, mais da metade das mulheres em idade ativa (52,6%) estavam trabalhando em 2006 (ante 46% em 1996), segundo o levantamento do Ipea. Apesar de ter escolaridade superior e ocuparem cada vez mais espaço no mercado de trabalho, os homens ainda têm melhores cargos e salários.

Muitas dessas mulheres que trabalham também exercem funções que exigem menor capacitação, como o trabalho doméstico remunerado. Em 2006, do total de ocupados somente 0,9% dos homens se dedicavam ao trabalho doméstico remunerado, mantendo a mesma tendência observada na década. Em contrapartida, nesse mesmo ano, do total de mulheres ocupadas, 16,5% desenvolviam esse trabalho. Mesmo revelando um discreto recuo de um ponto percentual em relação a 1996, o padrão se manteve.

A taxa de desemprego é pior para as mulheres e também para os negros, que apresentam os maiores níveis de desocupação – 11,0% e 7,1%, respectivamente. Para os homens, o índice é de 6,4% e de 5,7% entre os brancos. As mulheres negras constituem, portanto, o segmento que se encontra em situação mais vulnerável.

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