Aplausos para as vozes do morro

Primeira edição de programa do governo de Minas e do Servas é encerrada com exibição de gala de 10 artistas de vilas e favelas no Freegells Music Hall. Inscritos podem quadruplicar em 2009
Luciane Evans
Fotos: Beto Magalhães/EM/D.A Press
Com Nito Landau, Tom Nascimento mostrou o ritmo e o balanço de Santa Luzia

Espaço da total informalidade, lugar de pobreza absoluta ou de mão-de-obra para a criminalidade. Essas visões preconceituosas, freqüentemente associadas às favelas, são contestadas quando o som das ladeiras, vielas e becos ganham o asfalto. Num cenário visto por muitos como objeto de medo e preocupação, a arte contradiz pensamentos, quebra preconceitos, muda realidades e dá fôlego a artistas. E, nesse cenário de oportunidade e valorização do que é produzido musicalmente nos aglomerados de Belo Horizonte, 10 artistas de vilas, selecionados pelo programa Vozes do Morro, subiram ao palco do Freegells Music Hall, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste, para mostrar que, quando se fala em favela, o foco deve ser voltado para o potencial artístico de seus habitantes, e não para o lado negativo, que tantas vezes ganha os flashes.

A grande casa de show ficou pequena para a quantidade de pessoas que compareceu ao evento, sabendo, muitas vezes, de cor e salteado a música apresentada no palco por artistas do morro. O som foi para todos os gostos, passando pelo hip-hop, samba, MPB, gospel e sertanejo. E fechou com chave de ouro a primeira edição do Vozes do Morro, lançado em março para divulgar e valorizar a produção musical das vilas e favelas de BH e dos municípios de Ibirité, Ribeirão das Neves e Santa Luzia. Em 2009, o programa terá a 2ªedição e a expectativa é de que a número de inscritos aumente quatro vezes mais que este ano, em que 499 pessoas se inscreveram.

Edivânio José Silveira, o Dj Edd, da banda de rap Verdade Seja Dita, da Vila Biquinha, no Bairro Planalto, Região Norte, acordou ontem “como se estivesse pisando nas nuvens”. O grupo, criado em 2003, nunca tinha se apresentado em um espaço tão bem estruturado como o Freegells. “Foi uma noite inesquecível, muitas pessoas assistiram ao nosso espetáculo e cantaram nossas músicas. Aliás, o ano de 2008 foi marcante para nós”, disse, referindo-se à oportunidade de o Verdade Seja Dita ter sido selecionado pelo Vozes do Morro. “Antes, os vizinhos nem ao menos conheciam o nosso trabalho. Com o programa, ficamos conhecidos em todo o estado”, salientou.

Nascido no Alto Vera Cruz, Região Leste, Tom Nascimento também está entre os 10 selecionados pelo programa. Há mais de 20 anos em Santa Luzia, na Grande BH, o cantor, intérprete e compositor, transita pelo universo da música brasileira com influências de soul, reggae e funk dos anos 1970. “O Vozes do Morro vem mostrar o contrário do que se pensa sobre as favelas. Além disso, permite que as crianças das vilas comecem a valorizar o artista que está perto. Assim, mudam o caminho do seu futuro”, avaliou.

Casa de shows do Bairro Santa Efigênia ficou pequena para o grande público, que incentivou o talento e a produção musical de aglomerados da Grande BH

ORGULHO

Desenvolvido pelo governo de Minas, em parceria com o Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas) e o Sebrae-MG, o programa é coordenado por Cristiano Silva, o Cris do Morro. Além de músico, ele também é do Morro do Papagaio. “Cria-se um orgulho dentro das favelas, quando os moradores sabem que há um deles tendo um trabalho artístico reconhecido. As crianças crescem com uma referência boa, os adultos começam a valorizar e se orgulhar do lugar onde moram. Até mesmo o índice de criminalidade cai. O programa tem conseguido mudar o olhar da população, que está deixando de lado o preconceito”, avaliou Cris.

Segundo a presidente do Servas, Andréa Neves, o Vozes do Morro é um programa que mobiliza as comunidades e estabelece laços entre as pessoas, sem distinção do local em que vivam, da religião que pratiquem ou da profissão que exerçam. “A música é um território democrático, onde podemos manifestar livremente nossas esperanças de construção de um mundo melhor. É um programa de democratização, de inclusão cultural e social, que cria oportunidades e rompe barreiras. Esse é um programa inédito no país e não existiria se não fosse a generosa acolhida dos veículos de comunicação. É resultado do esforço de uma grande rede parceira, por meio do Sindicato das Empresas e Rádio e Televisão de Minas Gerais (Sert-MG), que possibilita dar voz a talentos e também que a força criadora desses artistas seja transformadora nessas comunidades”, acrescenta.

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