Artistas cobram apoio da Bienal à pichadora presa há 40 dias



Caroline Piveta da Mota, 23, entrou no prédio da Bienal de São Paulo, pintou com spray uma parede e está presa há 40 dias. Levada ao 36º Distrito Policial, na Rua Tutóia, três dias depois foi aprisionada na Penitenciária Feminina Sant’Ana, no Carandiru. As últimas palavras a caminho da viatura foram: "Eu sou pichadora. Viva a pichação". Isso aconteceu no primeiro dia do evento, que termina no próximo sábado (6) marcado por esse caso policial.


Seguranças flagram Caroline

Numa Bienal que tinha como lema "Em Contato Vivo" e prometia refletir sobre a arte contemporânea e o circuito artístico, a ação de Caroline no segundo andar do prédio (a "planta do vazio") causou polêmica. Foi classificada como "terrorismo poético" e "intervenção artística" por seus defensores. Mas também foi acusada de "vandalismo" e "atitude autoritária" pela declaração oficial da Bienal.

Fora essa declaração, de 27 de outubro, a curadoria da mostra não quis se manifestar sobre o assunto. Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen alegaram, por meio da assessoria de imprensa, que não tinham espaço em suas agendas.

Já o artista José Roberto Aguilar classificou como “uma hipocrisia absurda” a prisão da pichadora. “Quem devia ser preso são os organizadores. O andar vazio era um convite à manifestação, à contravenção. O mínimo que a Bienal pode fazer é colocar seu advogado para liberar a moça", afirmou Aguilar.

Outro caso decorrente da pichação foi o de Rafael Vieira Camargo Martins, de 26 anos, amigo de Caroline. Ao levar os documentos dela ao DP, Martins foi reconhecido pelos presentes na delegacia e acabou detido por oito dias. "Fui à Bienal porque vi as mensagens pela internet falando da invasão. Mas não pichei nada. Fui só ver. Eles não conseguiram provar e me liberaram", contou.

Taxista na região do Ipiranga, ele afirmou que perdeu dias de trabalho e a auto-estima com a prisão. "Com que cara eu fico diante de meus passageiros, sabendo que eu estive na cadeia? Os policiais me zoaram, mas os companheiros de cela me ajudaram", conta Rafael, que participará nos próximos dias de uma manifestação pedindo a libertação da amiga.

Caroline e ele estão sendo processados por destruição do patrimônio público e podem pegar uma pena de três anos de reclusão. Aponta-se envolvimento em outras duas ações anteriores — no Centro Universitário de Belas Artes (Vila Mariana) e na galeria Choque Cultural (Vila Madalena).

O mentor

As três iniciativas teriam como mentor Rafael Guedes Augustaitiz, conhecido no meio como Pixobomb, e foram registradas em vídeos ou fotos. A pichação na Belas Artes foi proposta como trabalho de conclusão de curso (TCC). Augustaitiz foi reprovado, expulso da faculdade, fichado na delegacia com mais cinco amigos e processado por danos.

A segunda ação, na Choque Cultural, propunha atacar "uma bosta de galeria" que "abriga artistas do underground, então, é tudo nosso", nas palavras da carta de convocação. Esse protesto rachou em discussões e ameaças os pichadores e os grafiteiros que estão levando seus trabalhos para circuito.

A turma de Pixobomb se intitula PiXação — Arte Ataque Protesto. É formada por dezenas de jovens entre 15 e 30 anos da Grande São Paulo que se conheceram nas ruas. A garota presa é uma exceção: a gaúcha Caroline conheceu o grupo pela internet.

Outras intervenções clandestinas na mais tradicional exposição de São Paulo não tiveram desfecho tão drástico. O grupo Arac, por exemplo, colou adesivos nas pilastras e paredes do prédio e publicaram em blog um Manual para a Invasão da Bienal.

Já estudantes de publicidade promoveram um flash-mob (expressão inglesa que significa multidão instantânea) com suas camisetas formando a pergunta "Sem idéia?". A manifestação foi filmada para passar o vídeo na Web.

Mais apoio que recriminação

A pichação na Bienal inspirou o artista Eli Sudbrack a fazer uma série de peças de neon usando o grafismo exposto na galeria Casa Triângulo, que está instruída a não chamar a polícia caso os pichadores passarem para lá. "Achei a ação dos pichadores fantástica, de uma coragem inacreditável”, declarou Sudbrack.

“Não sei como os curadores não abraçaram o conceito. Deve haver alguma razão política. Só porque a garota não é do mesmo estrato social da elite artística." O artista também pede uma ação dos artistas para liberar Caroline. "Se a Bienal não tirar ela de lá, temos que fazer algo. Eu mesmo já colei stickers em exposições importantes nos Estados Unidos. É um absurdo o que está acontecendo. Ela não é uma criminosa.”

Na blogosfera, o apoio foi também maior que a recriminação. Vitor Ângelo, que mantém o blog Dus Infernus, relatou o caso do ponto de vista de alguém que estava naquele domingo 26 de outubro, às 19h30, na Bienal.

"Me deparo com a curadora Ana Cohen descabelada, chamando-gritando pelos seguranças, polícia. Vejo uma manada de jovens em uma coreografia que lembrava os animais livres da savana correndo e gritando por liberdade de expressão. Não resisti, aplaudi forte como muitas outras pessoas", escreveu Ângelo, para logo teorizar.

"A Bienal ao apagar os pixos assim como a grande maioria dos senhores envolvidos com a tal arte contemporânea estão situados e sitiados no terreno da cultura”, registrou. “Já os pichadores, eles estão no terreno da arte", completou, citando frase do cineasta francês Jean-Luc Godard ("Cultura é regra, arte é exceção").

Antes da abertura da Bienal, a organização afirmou que sabia da ação dos pichadores — mas só reforçou o policiamento, com revista de bolsas, após o incidente no primeiro dia da exposição. Na hora da confusão, os seguranças tentaram conter os protestantes até a chegada da polícia. A maioria escapou após quebrar um dos vidros do prédio.

Da Redação, com informações do UOL Notícias

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