Rap é o caminho

Mano Brown encerra série de conversas com jovens, militantes e artistas das periferias de BeloHorizonte e aproveita para desfazer mitos em relação à música que denuncia as desigualdades
Janaina Cunha Melo
Euler Júnior/EM/D.A Press




Não basta ser malandro
e fazer cara de maluco porque vai ser
cobrado do mesmo jeito
na hora de pagar a conta

Mano Brown, rapper


O rapper Mano Brown, dos Racionais MCs, encerrou hoje série de bate-papos que realizou nas periferias de Belo Horizonte, a convite do Grupo Cultural NUC, do Alto Vera Cruz. Desde quarta-feira, ele está na cidade, conversando com jovens, militantes e artistas, sobre protagonismo em vilas e favelas. Acompanhado por Dom Pixote, do U-Time, e Du Bronx, do Rosana Bronx, ele trouxe rappers dos grupos apoiados em São Paulo pelo selo Cosa Nostra, do Racionais. Receptivo, bem-humorado e disposto ao diálogo franco com os participantes, ele iniciou conversa desfazendo mitos: “O rap não é solução. É apenas um caminho, entre muitos outros, para ajudar a resolver nossos problemas”, disse.

Recentemente, Mano Brown afirmou em show em Contagem que era chegado o momento de o movimento hip hop se repensar. Depois de mais de 20 anos de denúncias contra a desigualdade e injustiça social, ele defende mais ação. “Se o movimento só se repetir, vai cair na rotina, vai virar sistema, como ocorre com tudo que não se renova”, ele disse no palco. Durante a palestra ontem, na Escola Municipal Israel Pinheiro, no Alto Vera Cruz, o rapper argumentou sobre a importância de os veteranos motivarem a nova geração. “A gente que faz rap tem a obrigação de trazer mais um para perto, como elos de uma corrente. Montamos a gravadora para ter condições de produzir, orientar, ajudar que está chegando.”

Diferentemente do artista que dispara rimas ácidas, com deboche e ironia, Mano Brown falou de seu dia-a-dia no Capão Redondo, na periferia paulista. “Um minuto depois de acabar o show, estou de volta à realidade.” O cotidiano do rapper que se tornou uma das principais referências para a juventude negra e favelada – mas também tem sucessos repetidos em coro por jovens da classe média – é cercado por fãs de todas as idades. “Sei da minha responsabilidade. Converso, explico, acompanho. Conheço os atalhos e tento fazer algo positivo. O rap é minha vida, minha família.”

ELEGÂNCIA Autor de sucessos como Negro drama, Vida louca, Diário de um detento, que revelam a poesia sofisticada e atenta, Mano Brown conta que sua composição se alimenta dos sentimentos diversos. Raiva, emoção, felicidade, tudo está nas letras que convencem milhares de fãs no país. “O verdadeiro compositor não pode fazer média nem para favelado. Em tudo que faço, mostro a cara, mas nem sempre a verdade é o que agrada”, ele disse, comentando as inúmeras vezes em que foi mal interpretado.

Referência para os adolescentes, ele não contemporizou. Criticou números alarmantes de desempregados nas favelas mineiras, a desatenção governamental, mas também chamou a atenção das lideranças comunitárias e dos moradores dos aglomerados. “Quem tem acesso a esses números escandalosos precisa fazer pressão. Nosso povo é alegre, festivo, passa por dificuldades com elegância, mas, se a vida está de cabeça para baixo, não se pode negligenciar a situação”. E mandou recado direto aos mais jovens: “Não basta ser malandro e fazer cara de maluco porque vai ser cobrado do mesmo jeito na hora de pagar a conta. A cadeia está cheia de gente que não alcançou a meta, que multiplicou o crime querendo abraçar o mundo”, sentencia.

O novo CD dos Racionais MC’s está sendo anunciado para o segundo semestre do ano que vem. Três faixas inéditas, incluindo a polêmica Mulher elétrica, já estão circulando no mercado informal, em coletâneas de hip hop.

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