"Picho para o povo olhar e não gostar"


"Picho para o povo olhar e não gostar", diz jovem presa na Bienal
Na cadeia há 40 dias, a gaúcha Caroline Pivetta da Mota, 23, é acusada de destruição de patrimônio, cuja pena chega a 3 anos

"A gente não queria estragar as obras, mesmo porque não tinha obra. A obra, ali, nós que íamos fazer", afirma a garota

DIOGENES MUNIZ
EDITOR DE INFORMÁTICA DA FOLHA ONLINE

Atacada por todos os lados, a 28ª Bienal Internacional de São Paulo, que termina amanhã, recebeu em seus últimos dias um elogio improvável: veio de dentro de uma penitenciária.
"Acho interessante. Me identifico um pouco com o vazio", disse à reportagem a pichadora gaúcha Caroline Pivetta da Mota, 23 -ou Caroline Sustos, como assina seus autos de prisão.
Caroline foi uma das 40 pessoas que, em 26 de outubro, atacou com spray o prédio da Bienal, no parque Ibirapuera.
Ela está encarcerada há 40 dias.
Dependendo do julgamento, pode permanecer na Penitenciária Feminina de Santana, onde foi feita a entrevista, até a próxima Bienal, em 2010.
Na denúncia do Ministério Público, Caroline é acusada de se associar a "milicianos" com fins de "destruir as dependências do prédio". Ela faz parte da gangue Susto's. É a única garota, além de ser novata -foi convidada neste ano, mesmo com discordância de alguns líderes.
Enquadrada no artigo 62 da Lei do Meio Ambiente (destruição de patrimônio cultural), pode pegar de um a três anos de prisão. Caroline estava nos ataques à galeria Choque Cultural, em Pinheiros, e ao Centro Universitário Belas Artes -ela também responde processo por este último.
No entanto, seu primeiro problema sério envolvendo pichação ocorreu há cinco meses, após pintar um prédio da Polícia do Exército, no centro. Conseguiu um processo militar, sobre o qual pouco sabe. Na Bienal, não havia integrantes de apenas um grupo, segundo ela. "Cada um "colou" lá por um motivo." O dela? "Estava me manifestando contra os desfavorecidos, os que não têm acesso àquela coisa toda [a arte da Bienal]." E emenda: "Claro que eu não precisava me expor dessa forma. Fui lá pela manifestação, para acompanhar os meninos, não pelo Susto's. Se tivesse me privado daquilo, estaria hoje na rua fazendo o que gosto, que é pichar."
Ela diz que aprova a temática da Bienal, porque "todo mundo tem um vazio dentro de si".
"Tanto na Bienal, quanto na Belas Artes, fui só para ver o que ia rolar. Mas, quando percebi, a lata de spray já estava na minha mão", diz, rindo.
Na exposição, foi preso ainda o taxista Rafael Vieira Camargo Martins, 27, outro do Susto's.
Ele responderá ao processo em liberdade e alega ter apenas seguido o ato como espectador.

Meta de vida
"Tanto grafite quanto "picho" são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual", diz Caroline, que ouve bandas de reggae e de Oi! (estilo musical derivado do punk-rock). Ela diz que já foi espancada por anarco-punks em Porto Alegre e um de seus melhores amigos foi morto em uma briga de rua.
A jovem estudou até o primeiro ano do ensino médio.
Largou a escola após tentar se suicidar, um dos poucos assuntos sobre o qual prefere não falar. Já trabalhou como atendente de telemarketing e, antes de tornar a pichação uma "meta na vida", vendia artesanato e camisetas na rua. Sua mãe, a artesã Rosemari Pivetta da Mota, viajou do Rio Grande do Sul a São Paulo nesta semana.
Na prisão, a pichadora está dividindo a cela com uma evangélica. "Tenho que ficar assistindo ao canal da igreja", brinca. Vegetariana, lamenta ter que comer carne, porque "tem dias que não tem como encarar esse arroz e feijão daqui".
Na semana passada, ganhou uma pichação no próprio corpo: tatuou Susto's no antebraço.

Pressão
Antes da Bienal e da galeria Choque Cultural, a jovem só havia entrado em uma exposição na vida, sobre o artista espanhol Joan Miró (1893-1983).
"Achei bem louco", diz.
Segundo a advogada de Caroline, Cristiane Sousa Carvalho, ela não conseguiu comprovar residência fixa, tampouco ocupação legal, por isso continua presa. Ela diz que fará mais um pedido à Justiça para que a jovem responda em liberdade.
A Bienal nega fazer pressão para mantê-la atrás das grades.
Os advogados da instituição dão como certa a condenação da dupla. Diversos artistas cobram a fundação para liberá-la.
"Coube à Fundação Bienal de São Paulo registrar boletim de ocorrência após a pichação. A fundação não possui qualquer ingerência sobre o caso, que é de responsabilidade única e exclusiva da Justiça", declarou a instituição, por meio de sua assessoria de imprensa.
"A gente não queria estragar as obras deles [da Bienal], mesmo porque não tinha obra. A obra, ali, nós que íamos fazer", diz a jovem. Embora seja chamada informalmente de Bienal do Vazio, o título oficial da mostra é "Em Vivo Contato".

Um comentário:

Comum disse...

em vivo contato,

exatamente isso.