Diagnóstico de Anemia Falciforme em Minas - ainda um longo
caminho a ser percorrido - continuação
caminho a ser percorrido - continuação
Daniela Giovana, Jornalista e
mestranda em História pela UFMG
Remédios e Exames especializados
Outra dificuldade que atinge em cheio os falcêmicos mineiros diz respeito às consultas especializadas. A Anemia Falciforme funciona como uma anemia crônica que pode afetar qualquer órgão do corpo. Quando afeta o cérebro pode ocasionar derrame, inclusive em crianças de 4 ou 6 anos. O paciente pode ter complicações respiratórias graves e precisar ir para o CTI; complicações no coração e precisar de uma consulta com um cardiologista. Pode ter uma complicação de vias aéreas e necessitar de uma consulta com um otorrino, e assim por diante. Mas muitas vezes o acesso a esses exames, que precisam ser conseguidos em caráter de urgência, é obtido na base da ‘política de boa vizinhança’, a partir de contatos dentro dos hospitais.
O Sistema Único de Saúde (SUS) vê esse paciente como qualquer outro, não respeitando as particularidades da doença e relegando o atendimento à vala comum. Mas o que falta para que o sistema de saúde passe a tratar a doença como sendo de alta complexidade? “Falta aplicar um princípio aprovado pelo próprio Ministério da Saúde que é a equidade racial. O ministério já reconheceu, mas ainda precisa ser aplicado. Assim, esse paciente não vai entrar na vala comum porque vai ter suas particularidades formalmente compreendidas, estabelecidas em portarias, bem conhecidas pelas pessoas. Hoje em qualquer gestor que você vá, ele fala que tem problema com AIDS, com leucemia, com tuberculose, e te pergunta por que ele deveria tratar os doentes falciformes de maneira diferente. Para evitar isso basta que o ministério aplique um princípio que ele mesmo criou”, explica o médico e professor José Nélio Januário.
75% das famílias ganham menos de um salário mínimo, 80% dos pais não têm escolaridade primária e 90% dos pacientes não completam o ensino fundamental. Diante desse quadro, fica fácil perceber a dificuldade presente na hora de comprar os remédios receitados para dar uma continuidade ao tratamento após a saída do hospital. “A gente tem lutado junto às secretarias municipal e estadual para conseguir essa medicação. Muitos pacientes vivem na periferia com baixa renda, isso quando estão trabalhando. Mas por muitas vezes nós temos que procurar a própria Promotoria de Saúde do Estado que dá um grande apoio porque conhece as nossas necessidades”, sentencia o presidente da Dreminas.
O ser humano por trás da doença
Tassia Ludmila Gonçalves Machado, 4, já passou por várias intercorrências, muitas delas obrigando a internação da mãe junto da filha. A última contabilizou o saldo de 15 dias no hospital, com uma crise de dor que teve que ser tratada a base de morfina. “Costumo dizer que essa é uma doença que causa muita dor física para o paciente, mas que traz uma grande dor emocional e psicológica para os pais. A gente vive esse drama dia após dia, igual a uma bomba relógio. Hoje ela está bem, mas amanhã ela pode amanhecer com uma dor que pode ser fortíssima”, confidencia Cláudio Henrique.
As implicações psicológicas que envolvem familiares e pacientes ainda são aspectos pouco ou quase nunca observados pelo sistema de saúde. Diante de uma doença como a Anemia Falciforme em que os processos de dores são estendidos por toda uma vida, a começar do nascimento, aspectos de inclusão social desse paciente e acompanhamento da família são fatores que também não podem continuar a serem esquecidos. Por mais que hospitais cuidem, a família é quem vai acompanhar integralmente a vida desse paciente.
“Muita coisa já avançou, a qualidade da parte técnica do sangue está bem melhor, mas o lado humano ainda fica a dever. Estava na sala de espera e uma criança estava chorando porque não queria tirar sangue. Precisava ter ali uma psicóloga para conversar com essa criança e explicar que ela precisa tirar sangue. Não é fácil ficar numa cama tomando picada para fazer 50 exames. Quando sou internada peço um acompanhamento psicológico, uma pessoa que tem uma doença crônica tem que ter esse atendimento. Muitas mães são simples, acham que se pedirem um psicólogo vão achar que o filho é doido. Muitas não sabem desse direito”, afirma D. Rose Maria Betran.
Preconceito e longos períodos de internação que acarretam em perdas de aulas, contribuindo para o abandono dos estudos, são outras barreiras que dificultam a inserção social. “Parei de estudar no primeiro ano do magistério, fiquei um mês doente e depois não voltei mais, desanimei. Minha mãe dizia ‘se o corpo não está bom, a cabeça está’. Quando ficava em casa lia muito, cheguei a dar aulas particulares para crianças e também fazia artesanatos”, conta D. Rose.
Muitas empresas ao fazerem os exames de admissão não estão contratando pessoas com Anemia Falciforme devido ao grande número de faltas que esse funcionário terá. Em se pensando um mercado de trabalho com a disputa desigual que vemos hoje, a situação se complica ainda mais. A saída tem sido o sub-emprego, com atividades desempenhadas sem carteira assinada.
Ação social que vira política pública
Hoje ainda não se percebe no Estado uma política pública voltada para a Anemia Falciforme. O passo mais concreto nesse sentido foi dado com a Lei Estadual 14.088 de 6 de dezembro de 2001, que dispõe sobre a prestação de aconselhamento genético e assistência médica integral aos portadores de traço e Anemia Falciforme. A Lei foi aprovada após um longo período para ser sancionada e a luta agora é para colocá-la em prática em todo o Estado. Ela existe, mas ainda não funciona. O foco principal deve ser o interior do estado, onde, por falta de informação, até mesmo transfusões de sangue desnecessárias são feitas. Muitos profissionais nos municípios não têm o treinamento para fazer o diagnóstico e o tratamento corretamente.
O trabalho dos movimentos sociais chega à instância governamental e acaba virando política pública. Esta realidade está presente em quase todos os setores da sociedade. “Se a sociedade não se manifestar e mostrar o problema em que vivem ela não alcança os objetivos lá na frente. Por exemplo, hoje as secretarias já estão capacitando o Programa de Saúde da Família, isso foi uma luta do movimento para mostrar a necessidade de se informar sobre a doença e que hoje o governo está olhando com o cuidado de levar isso para âmbito estadual. É uma conquista do movimento”, explica Cláudio Henrique.
A situação mineira no trato com a Anemia Falciforme aponta um quadro de excelência no atendimento ambulatorial, demonstrando uma boa integração entre a capital e os hemocentros do interior. E isso é um resultado direto de um bom entendimento entre uma universidade (UFMG) e uma fundação (Hemominas).
Demonstra na prática os benefícios que podem ser alcançados quando todos os envolvidos juntam forças para conseguir melhorias para suas lutas como é o caso concreto do Centro de Educação, Informação e Apoio ao Doente Falciforme (Ceiadof). Mas é uma experiência que ainda carece de mais investimentos na parte do poder público estadual e municipal no que se refere a parte de tratamento: melhores atendimentos em hospitais, acesso universal a consultas especializadas e medicamentos, sem deixar de lado é claro a atenção humana ao paciente.
Analisando a Anemia Falciforme em Minas Gerias é possível perceber que mudanças mais significativas necessitam de uma urgente reforma do sistema de saúde com aplicação universal de um direito que é garantido ao homem em seu nascimento pela constituição: a igualdade.
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