A cara do povo

Sandra Werneck prepara o lançamento de Sonhos roubados, filme rodado na periferia carioca.O longa aborda o dia-a-dia de três garotas que vivem em comunidades carentes
Janaina Cunha Melo
Vantoen Pereira Júnior/Divulgação
O rapper MV Bill interpreta o presidiário que se envolve com uma das meninas de Sonhos roubados
O filme Sonhos roubados, da diretora Sandra Werneck, funde realidade e ficção ao abordar a juventude na periferia. Com o realismo de quem há anos se debruça sobre esse universo, mas sem perder a referência da subjetividade, a cineasta conta que o novo trabalho é inspirado no livro-reportagem As meninas da esquina, da jornalista Eliana Trindade. O projeto vem sendo desenvolvido desde 2006 e foi proposto à autora por outros produtores. “Acho que pesou o fato de eu ser mulher. Talvez por isso tenha conseguido os direitos autorais”, lembra ela.

Antes de terminar o documentário Meninas, sobre gravidez precoce, Sandra já pensava em Sonhos roubados. Para ela, essa é a oportunidade de unir a observação de documentarista, mais atenta a questões sociais, à abordagem das relações pessoais. O filme, que deve estrear em 2009, retrata o cotidiano de três garotas do subúrbio carioca. “Falo do que é ser adolescente nessas comunidades, de como é sobreviver onde falta apoio e escola, de famílias desestruturadas”, adianta.

Entre as personagens está Daiane (Amanda Diniz), que tem adoração pelo pai, mas mora com o tio e é vítima de abuso sexual por parte dele. O sonho da garota é comemorar 15 anos como as adolescentes de classe média. Sabrina (Kika Farias) se apaixona por um bandido e fica grávida dele. Jéssica (Nanda Costa) perde a guarda da filha, mora com o avô e faz o impossível para recuperar o direito de conviver com a criança. Esse são os fios condutores da trama de Sandra, que resulta numa história de afetos, desencontros e amizade. No dia-a-dia das meninas há funk, pagode e a efervescência cultural de regiões onde a criatividade se oferece como alternativa à pobreza.

RAPPER O rapper MV Bill está no elenco principal. A diretora conta que ele foi convidado por demonstrar interesse em discutir a situação da juventude nas favelas a partir do ponto de vista feminino, como no livro Mulheres do tráfico, que escreveu em parceria com Celso Athayde, e pela série televisiva Falcão. “Foi maravilhoso trabalhar com ele. Bill entende o que estou fazendo, traz uma verdade sensacional ao filme. Ele é ótimo parceiro”, elogia. Para atuar, o rapper contou com o apoio de colegas experientes como Caio Blat, além de passar por processo de preparação cênica. “Ele chegava tranqüilo ao set. Trabalhamos bastante para dar tudo certo”, revela Sandra.

MV Bill interpreta o presidiário que se envolve com uma das protagonistas. O elenco também conta com Nanda Costa, Amanda Diniz, Kika Farias, Marieta Severo, Nelson Xavier, Daniel Dantas, Lorena da Silva, Guilherme Duarte, Ângelo Antônio, Silvio Guindane e Zezé Barbosa.

O ambiente retratado de forma violenta – sobretudo pelos telejornais, que enfocam as ações da polícia e do tráfico de drogas – interessa à cineasta. Sandra buscou outros aspectos dessas comunidades, chamando a atenção pelo sentimento de brasilidade que elas despertam. “É incrível a alegria da periferia por causa do futebol aos sábados, dos bailes. Não se imagina que seja assim um lugar retratado pelo tiro. Isso me seduz”, afirma ela.

Essa convicção fez com que a diretora trabalhasse com figurantes da comunidade, optando por gravar fora do estúdio para ficar o mais perto possível da realidade local. A maioria das cenas foi filmada em Ramos e em Curicica. “Será a primeira vez que o cinema mostrará o famoso piscinão de Ramos”, avisa ela.

Os vários meses de contato com as favelas permitiram a Sandra Werneck outras descobertas. O intercâmbio com os figurantes e os moradores, em clima de muita gentileza, e a disposição deles em filmar demonstram que o trabalho representou muito mais que a possibilidade de reforçar o orçamento. “O cinema dá às pessoas o poder de sonhar, ainda que por tempo determinado. Por isso eles foram tão solícitos. É importante que o cinema também mostre a cara do povo, para que o Brasil possa se reconhecer como nação”, conclui.

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