Muito ainda a fazer, 60 anos depois

MARCIO BARBOSA



A persistência da pobreza é o maior desafio da atualidade e compromete a eterna aspiração por um mundo melhor

A DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos hoje (10/12). Ela representa a eterna aspiração da humanidade para uma vida com liberdade e dignidade para todos.
Entre os direitos fundamentais estão o direito à vida, à liberdade e à segurança; o direito à educação e à saúde; o direito à informação e à liberdade de expressão e opinião; ao trabalho; a uma vida cultural; e o direito de usufruir dos benefícios do progresso científico, entre tantos outros.
Se, por um lado, progressos consideráveis foram obtidos em campos como combate ao racismo, condenação dos regimes ditatoriais e promoção da igualdade de gênero, por outro lado, novos desafios passaram a ser percebidos como violações dos direitos humanos e, conseqüentemente, passíveis de condenação no âmbito da declaração universal. São os casos da violência e da discriminação a qualquer título e das novas formas de terrorismo. Isso sem falar no desafio de questões antigas, ainda longe de serem resolvidas, como a luta contra o tráfico de pessoas e a tortura.
Nesse contexto, o acesso à informação é de importância capital e um direito que também precisa ser efetivado. O mais amplo acesso às avançadas tecnologias de informação e comunicação é fundamental para que todos tenham conhecimento dos seus direitos e das violações cometidas, independentemente de onde ocorram e contra quem.
Por mais paradoxal que pareça, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o instrumento internacional mais citado no mundo, mas está disponível em apenas 350 das cerca de 7.000 línguas faladas e catalogadas no planeta. Ou seja, nem todos têm acesso ao conteúdo da declaração que assegura seus direitos. E tais direitos só serão efetivamente reivindicados, garantidos e exercidos quando forem devidamente conhecidos.
Portanto, ampliar a disseminação dessa declaração é tarefa que precisa ser abraçada como prioridade, especialmente em benefício dos grupos minoritários, os mais vulneráveis e marginalizados.
Aqui a mídia tem um papel decisivo, atuando inclusive como mobilizadora da sociedade contra as violações cometidas globalmente. Assegurar o direito a uma mídia livre e pluralista, em que todas as vozes sejam ouvidas, é, pois, garantia da promoção dos direitos humanos e do monitoramento contra suas violações.
Uma outra questão importante é a diversidade cultural e sua proteção em um mundo em que as sociedades tornaram-se cada vez mais multiétnicas e multiculturais.
As Nações Unidas, por meio de resolução da sua Assembléia Geral, colocaram a tolerância à diversidade cultural, étnica, religiosa e lingüística, bem como o diálogo entre civilizações, como essencial para a paz, o entendimento e a amizade entre indivíduos e povos de diferentes culturas e nações.
A Declaração de Viena (1993) diz que "as particularidades regionais e as várias características históricas, culturais e religiosas devem ser levadas em conta, independentemente dos sistemas políticos e econômicos, na promoção e proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais". Ou seja, respeitar os direitos humanos é respeitar também a diversidade cultural.
A persistência da pobreza, entretanto, é ainda o maior desafio da atualidade e compromete decisivamente a eterna aspiração por um mundo melhor. A pobreza afeta um terço da população mundial -e a atual crise financeira ameaça aumentar ainda mais esse contingente.
Existe uma correlação direta entre pobreza e violação dos direitos humanos; entre menos recursos e oportunidades e igualdade de direitos e dignidade. Os pobres são privados dos padrões de vida adequados, sobretudo em relação à saúde, à assistência médica, à alimentação e à moradia. Freqüentemente são privados do direito à educação (especialmente educação de qualidade), a chave para um futuro melhor.
São vítimas de um ciclo perverso: não têm seus direitos respeitados porque são pobres e continuam pobres porque seus direitos são sistematicamente violados. Portanto, a luta contra a pobreza é a luta em prol dos direitos humanos.
A melhoria dessa situação exige esforços contínuos e de todos. É errado imaginar que é uma tarefa isolada de Estados ou governos. É uma luta de indivíduos, da sociedade civil, dos Estados e dos governos e, evidentemente, das agências intergovernamentais.
Que as comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos reforcem o compromisso que todos devemos ter com essa luta.
Nós, da Unesco, temos esse objetivo no alto das nossas prioridades.


MARCIO BARBOSA , 56, é diretor-geral-adjunto da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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