Salgado Filho - Região OesteApontando para a grama verde, as paredes recém-pintadas e os ladrilhos coloridos, a atriz Meibe Rodrigues não conteve a emoção e abriu um farto sorriso. Depois de anos, ela estava de volta ao pátio que foi palco de suas primeiras “artes” adolescentes. Completamente modificado, o lugar agora vai ser de mais gente, apagando qualquer conotação pejorativa que queiram atrelar à palavra “arte”. As ruínas da escola municipal do Salgado Filho, na Região Oeste de Belo Horizonte, saíram de cena, o espaço foi reformado e deu lugar ao centro cultural que leva o mesmo nome do bairro. O novo protagonista foi inaugurado ontem, com direito a programação artística para comemorar. Essa, aliás, deve ser a tônica do espaço: um pólo de fomento às atividades culturais, que avançam, em ritmo intenso, por toda a semana, até sábado.
Se depender de gente como Meibe, vai ser assim mesmo. “Quero vir dar muitas oficinas de teatro aqui!”, avisa. Nascida e criada no bairro, Meibe se lembra bem dos tempos “do colegial”, em que ia a pé para a escola. Em vez de voltar para casa depois da aula, ficava jogando queimada nas ruas do Salgadão, até que a mãe descobrisse e a deixasse de castigo. É com saudosismo, também, que ela recorda a tranqüilidade de uma época em que “as crianças podiam andar sozinhas no bairro, pois não havia perigo”.
Assistiu, com tristeza, à decadência do prédio, que, segundo ela, “quase caiu aos pedaços” e o renascimento do espaço, com a inauguração do centro, ontem. Da velha escola, que hoje funciona no Bairro Havaí, ficaram apenas as lembranças. Agora o lugar tem bibilioteca com espaço próprio para o público infantil, adulto e sala de inclusão digital, auditório multiuso com camarim, espelho e barra para oficina de dança. A capacidade é para 100 pessoas assentadas.
TROPEIROS O bairro nasceu nos anos 1940, com a Vila Operária Fazenda do Mato da Lenha, loteamento aprovado por Juscelino Kubitscheck, prefeito de Belo Horizonte à época. Era ponto de parada de tropeiros e tropas que andavam por Minas Gerais. Foi batizado com o atual nome em 1950, em homenagem ao ministro da aeronáutica de Getúlio Vargas, Joaquim Pedro Salgado Filho. Muitos moradores também se orgulham do pioneirismo do bairro em garantir a presença maciça de bares e botecos (em alguns casos até mais de um em cada quarteirão). O projeto inspiraria vários outros bairros depois, criando uma aura boêmia, que seria absorvida por toda a cidade e exportada como característica marcante da Belo Horizonte, conhecida como “a capital nacional dos bares”.
Resgatar esses traços que marcaram a construção da imagem do Salgado Filho é um dos objetivos do centro cultural, que promete investir, além da difusão e formação culturais, na preservação da memória e identidade locais. “O projeto Senhores do Tempo, por exemplo, deve reunir idosos que moram no bairro e têm muitos casos para contar. A idéia é exatamente recuperar essa história, recontá-la e mantê-la viva”, explica Abilde Maria da Silva, diretora especial de equipamentos culturais da Fundação Municipal de Cultura. Outra proposta do centro é ser ativo na descentralização de grandes eventos culturais da cidade, como o Festival de Arte Negra (FAN) e Festival Internacional de Teatro Palco e Rua (FIT-BH).
A variedade de atrações é outra aposta, a partir da diversidade da produção, o que se refletiu logo na abertura do centro, com o lançamento da exposição de artes plásticas Lírica urbana, de Estêvão Machado. Os quadros de Estêvão Machado retratam gente comum em pontos de ônibus da cidade – a obra, inclusive, esteve exposta nas próprias ruas de BH, nos abrigos de transporte coletivo. Agora, à maneira dos personagens anônimos retratados, deve transitar pela cidade, em exposições como a que inaugura o Centro Cultural Salgado Filho. Oficina de música, banda da polícia militar, apresentação do Quilombo dos Luíses, do circo Malabares & Equilíbrio e de grupos de hip-hop e pop rock foram as outras atividades.
A técnica em enfermagem Renata Xavier morou a vida toda no bairro e nunca pôde ver uma apresentação circense nas redondezas. “Adoro circo, mas, quando era criança, tínhamos de ir longe para ver os palhaços e equilibristas. É superinteressante ter isso assim, tão perto de casa”, diz. Empolgada, levou os filhos Rafael, de 4 anos, e Bianca, de 8, para conferir as atrações. “Agora a gente vai voltar sempre”, garantiu a menina. Hoje, às 18h, tem apresentação das Meninas de Sinhá e, às 19h, o espetáculo de teatro Era uma vez uma menina. O Centro Cultural Salgado Filho fica na rua Nova Ponte, 22 (3277-9624).
A arte tem que dialogar com a realidade do país. Como o Brasil
é muito complexo, não dá para a arte ficar encastelada nas galerias.
É por isso que espaços como este ajudam a pensar uma
arte atrelada à nossa realidade
Estêvão Machado, artista plástico
Quanto mais atividades existirem nos bairros, mais a criatividade
das pessoas é aguçada. É assim que aparecem novos artistas. A cultura
não deve ser vista como algo inútil. Ela faz parte do nosso dia-a-dia
Antônio Márcio Frois, músico
Por aqui falta banco, correio e sobra boteco. O centro
cultural deve dar uma agitada na vida de quem mora
por perto e viu a antiga escola ser reformada.
Estamos orgulhosos
Maria de Lourdes Alves, artesã
A comunidade se tornou muito violenta e isso aqui é a concretização de
um sonho. Cada atividade cultural é capaz de ocupar o tempo
de um jovem que poderia estar em um caminho errado
Maria Aparecida Bayão, diarista
Aqui nas redondezas há muitos jovens carentes de recursos
e é muito interessante que eles tenham algo com o
que se ocupar. Com o centro, vão vir cursos, oficinas,
teatro, música, dança
Renata Xavier, técnica em enfermagem
Estou maravilhada em ver esse centro cultural.
O espaço deixou de ser uma escola, mas vai continuar
atuando na formação e capacitação das pessoas.
Só que, dessa vez, por meio da arte
Meibe Rodrigues, atriz
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