Edson Lopes Cardoso edsoncardoso@irohin.org.br |
A negação sistemática do corte racial nas políticas públicas por parte dos principais jornais brasileiros, em razão dos elevados custos humanos que acarreta, pode ser aproximada da negativa de Thabo Mbeki e de seu governo em reconhecer a AIDS e os medicamentos necessários para combatê-la.
A Folha de S. Paulo, em editorial (“Cotas de imperfeição” 25.11.08, p. 2) reafirma que o critério racial não serve para ‘categorizar pessoas’ porque não tem fundamento científico.
Pois bem, na redação da ‘Folha de S. Paulo’ e outros grandes jornais quantas pessoas têm pele escura e cabelo crespo? Alguém duvida de que exista aqui uma classificação sistemática que, independente do que possa afirmar a genética, se apóia em características também biológicas (cor da pele, textura do cabelo, etc.)?
Que divindade, se não o deus da Omissão Cínica, o mantra “raça não existe” invoca mesmo? Aliás, o mantra só é recitado quando os negros pressionam para reduzir os privilégios daqueles que reelaboram, pela negativa, o conceito de raça para servir à manutenção de suas posições e objetivos políticos.
Raça não existe, mas o Brasil é um país de profundas desigualdades raciais. A negação da raça pelos estratos superiores pretende perpetuar as desigualdades... raciais. Se todos são mestiços nos espaços de prestígio e poder, queremos incluir nesses espaços um tipo de mestiço que a eles não tem acesso.
Quando se argumenta, como no citado editorial da Folha, na defesa de cotas sócio-econômicas para ingresso na universidade, sob a alegação de que ‘negros e mulatos’ estariam aí contemplados, identifica-se, ainda que a contragosto, a existência, entre os pobres, de um subconjunto de afro-brasileiros.
Na alternativa das cotas raciais, recusada pela Folha, os ‘negros e mulatos’ não podem ser precisamente identificados: raça não existe, o Brasil é um país mestiço. Na alternativa sócio-econômica, defendida pela Folha, ‘negros e mulatos’ existem e seriam beneficiados também.
Paradoxalmente, quanto mais submersos na noção de classe, mais visíveis se tornam os negros aos olhos da Folha. A tão alegada homogeneidade mestiça desaparece como por encanto, quando submetida ao crivo sócio-econômico defendido pela empresa de comunicação. Nas cotas sociais, os negros serão beneficiados – com a vantagem, para os superiores, de se dispensar a afirmação identitária.
A identidade negra, por essa visão, parece superestimada como fonte de conflitos, potencialmente geradora de ‘divisões radicais’. Alguns negros podem vir a ser beneficiados, mas para isso devem renunciar a sua identidade.
Nos termos da cultura política dominante, pode-se aceitar de todo modo um arranjo, desde que fique assegurado que a identidade negra será submersa em generalizações sócio-econômicas. Os negros poderiam assim ser tolerados, de modo contingente, desde que se pudessem atenuar as dimensões ameaçadoras de sua afirmação identitária.
Por aí se vê que a questão não é cota, nem reserva de vagas. A questão é mesmo a identidade negra, seu conteúdo histórico, suas incontornáveis reivindicações reparatórias, justas e legítimas.
O recalque da identidade negra parece jogar assim um papel decisivo entre nós na manutenção do sistema político e dos modos de representação, na permanência de sistemas simbólicos que realimentam os grupos hegemônicos, e na manutenção da ordem social e econômica.
A Folha de S. Paulo, em editorial (“Cotas de imperfeição” 25.11.08, p. 2) reafirma que o critério racial não serve para ‘categorizar pessoas’ porque não tem fundamento científico.
Pois bem, na redação da ‘Folha de S. Paulo’ e outros grandes jornais quantas pessoas têm pele escura e cabelo crespo? Alguém duvida de que exista aqui uma classificação sistemática que, independente do que possa afirmar a genética, se apóia em características também biológicas (cor da pele, textura do cabelo, etc.)?
Que divindade, se não o deus da Omissão Cínica, o mantra “raça não existe” invoca mesmo? Aliás, o mantra só é recitado quando os negros pressionam para reduzir os privilégios daqueles que reelaboram, pela negativa, o conceito de raça para servir à manutenção de suas posições e objetivos políticos.
Raça não existe, mas o Brasil é um país de profundas desigualdades raciais. A negação da raça pelos estratos superiores pretende perpetuar as desigualdades... raciais. Se todos são mestiços nos espaços de prestígio e poder, queremos incluir nesses espaços um tipo de mestiço que a eles não tem acesso.
Quando se argumenta, como no citado editorial da Folha, na defesa de cotas sócio-econômicas para ingresso na universidade, sob a alegação de que ‘negros e mulatos’ estariam aí contemplados, identifica-se, ainda que a contragosto, a existência, entre os pobres, de um subconjunto de afro-brasileiros.
Na alternativa das cotas raciais, recusada pela Folha, os ‘negros e mulatos’ não podem ser precisamente identificados: raça não existe, o Brasil é um país mestiço. Na alternativa sócio-econômica, defendida pela Folha, ‘negros e mulatos’ existem e seriam beneficiados também.
Paradoxalmente, quanto mais submersos na noção de classe, mais visíveis se tornam os negros aos olhos da Folha. A tão alegada homogeneidade mestiça desaparece como por encanto, quando submetida ao crivo sócio-econômico defendido pela empresa de comunicação. Nas cotas sociais, os negros serão beneficiados – com a vantagem, para os superiores, de se dispensar a afirmação identitária.
A identidade negra, por essa visão, parece superestimada como fonte de conflitos, potencialmente geradora de ‘divisões radicais’. Alguns negros podem vir a ser beneficiados, mas para isso devem renunciar a sua identidade.
Nos termos da cultura política dominante, pode-se aceitar de todo modo um arranjo, desde que fique assegurado que a identidade negra será submersa em generalizações sócio-econômicas. Os negros poderiam assim ser tolerados, de modo contingente, desde que se pudessem atenuar as dimensões ameaçadoras de sua afirmação identitária.
Por aí se vê que a questão não é cota, nem reserva de vagas. A questão é mesmo a identidade negra, seu conteúdo histórico, suas incontornáveis reivindicações reparatórias, justas e legítimas.
O recalque da identidade negra parece jogar assim um papel decisivo entre nós na manutenção do sistema político e dos modos de representação, na permanência de sistemas simbólicos que realimentam os grupos hegemônicos, e na manutenção da ordem social e econômica.
Edson Lopes Cardoso edsoncardoso@irohin.org.br |
A negação sistemática do corte racial nas políticas públicas por parte dos principais jornais brasileiros, em razão dos elevados custos humanos que acarreta, pode ser aproximada da negativa de Thabo Mbeki e de seu governo em reconhecer a AIDS e os medicamentos necessários para combatê-la.
A Folha de S. Paulo, em editorial (“Cotas de imperfeição” 25.11.08, p. 2) reafirma que o critério racial não serve para ‘categorizar pessoas’ porque não tem fundamento científico.
Pois bem, na redação da ‘Folha de S. Paulo’ e outros grandes jornais quantas pessoas têm pele escura e cabelo crespo? Alguém duvida de que exista aqui uma classificação sistemática que, independente do que possa afirmar a genética, se apóia em características também biológicas (cor da pele, textura do cabelo, etc.)?
Que divindade, se não o deus da Omissão Cínica, o mantra “raça não existe” invoca mesmo? Aliás, o mantra só é recitado quando os negros pressionam para reduzir os privilégios daqueles que reelaboram, pela negativa, o conceito de raça para servir à manutenção de suas posições e objetivos políticos.
Raça não existe, mas o Brasil é um país de profundas desigualdades raciais. A negação da raça pelos estratos superiores pretende perpetuar as desigualdades... raciais. Se todos são mestiços nos espaços de prestígio e poder, queremos incluir nesses espaços um tipo de mestiço que a eles não tem acesso.
Quando se argumenta, como no citado editorial da Folha, na defesa de cotas sócio-econômicas para ingresso na universidade, sob a alegação de que ‘negros e mulatos’ estariam aí contemplados, identifica-se, ainda que a contragosto, a existência, entre os pobres, de um subconjunto de afro-brasileiros.
Na alternativa das cotas raciais, recusada pela Folha, os ‘negros e mulatos’ não podem ser precisamente identificados: raça não existe, o Brasil é um país mestiço. Na alternativa sócio-econômica, defendida pela Folha, ‘negros e mulatos’ existem e seriam beneficiados também.
Paradoxalmente, quanto mais submersos na noção de classe, mais visíveis se tornam os negros aos olhos da Folha. A tão alegada homogeneidade mestiça desaparece como por encanto, quando submetida ao crivo sócio-econômico defendido pela empresa de comunicação. Nas cotas sociais, os negros serão beneficiados – com a vantagem, para os superiores, de se dispensar a afirmação identitária.
A identidade negra, por essa visão, parece superestimada como fonte de conflitos, potencialmente geradora de ‘divisões radicais’. Alguns negros podem vir a ser beneficiados, mas para isso devem renunciar a sua identidade.
Nos termos da cultura política dominante, pode-se aceitar de todo modo um arranjo, desde que fique assegurado que a identidade negra será submersa em generalizações sócio-econômicas. Os negros poderiam assim ser tolerados, de modo contingente, desde que se pudessem atenuar as dimensões ameaçadoras de sua afirmação identitária.
Por aí se vê que a questão não é cota, nem reserva de vagas. A questão é mesmo a identidade negra, seu conteúdo histórico, suas incontornáveis reivindicações reparatórias, justas e legítimas.
O recalque da identidade negra parece jogar assim um papel decisivo entre nós na manutenção do sistema político e dos modos de representação, na permanência de sistemas simbólicos que realimentam os grupos hegemônicos, e na manutenção da ordem social e econômica.
A Folha de S. Paulo, em editorial (“Cotas de imperfeição” 25.11.08, p. 2) reafirma que o critério racial não serve para ‘categorizar pessoas’ porque não tem fundamento científico.
Pois bem, na redação da ‘Folha de S. Paulo’ e outros grandes jornais quantas pessoas têm pele escura e cabelo crespo? Alguém duvida de que exista aqui uma classificação sistemática que, independente do que possa afirmar a genética, se apóia em características também biológicas (cor da pele, textura do cabelo, etc.)?
Que divindade, se não o deus da Omissão Cínica, o mantra “raça não existe” invoca mesmo? Aliás, o mantra só é recitado quando os negros pressionam para reduzir os privilégios daqueles que reelaboram, pela negativa, o conceito de raça para servir à manutenção de suas posições e objetivos políticos.
Raça não existe, mas o Brasil é um país de profundas desigualdades raciais. A negação da raça pelos estratos superiores pretende perpetuar as desigualdades... raciais. Se todos são mestiços nos espaços de prestígio e poder, queremos incluir nesses espaços um tipo de mestiço que a eles não tem acesso.
Quando se argumenta, como no citado editorial da Folha, na defesa de cotas sócio-econômicas para ingresso na universidade, sob a alegação de que ‘negros e mulatos’ estariam aí contemplados, identifica-se, ainda que a contragosto, a existência, entre os pobres, de um subconjunto de afro-brasileiros.
Na alternativa das cotas raciais, recusada pela Folha, os ‘negros e mulatos’ não podem ser precisamente identificados: raça não existe, o Brasil é um país mestiço. Na alternativa sócio-econômica, defendida pela Folha, ‘negros e mulatos’ existem e seriam beneficiados também.
Paradoxalmente, quanto mais submersos na noção de classe, mais visíveis se tornam os negros aos olhos da Folha. A tão alegada homogeneidade mestiça desaparece como por encanto, quando submetida ao crivo sócio-econômico defendido pela empresa de comunicação. Nas cotas sociais, os negros serão beneficiados – com a vantagem, para os superiores, de se dispensar a afirmação identitária.
A identidade negra, por essa visão, parece superestimada como fonte de conflitos, potencialmente geradora de ‘divisões radicais’. Alguns negros podem vir a ser beneficiados, mas para isso devem renunciar a sua identidade.
Nos termos da cultura política dominante, pode-se aceitar de todo modo um arranjo, desde que fique assegurado que a identidade negra será submersa em generalizações sócio-econômicas. Os negros poderiam assim ser tolerados, de modo contingente, desde que se pudessem atenuar as dimensões ameaçadoras de sua afirmação identitária.
Por aí se vê que a questão não é cota, nem reserva de vagas. A questão é mesmo a identidade negra, seu conteúdo histórico, suas incontornáveis reivindicações reparatórias, justas e legítimas.
O recalque da identidade negra parece jogar assim um papel decisivo entre nós na manutenção do sistema político e dos modos de representação, na permanência de sistemas simbólicos que realimentam os grupos hegemônicos, e na manutenção da ordem social e econômica.
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