Roubo de donativos

Caso de Santa Catarina pede reflexão sobre a corrupção e a impunidade no Brasil
As águas deste fim de ano ainda nem terminaram e já produziram muitas tragédias, destruição e mortes em várias cidades mineiras e fluminenses, depois de ter arrasado regiões inteiras no Sul do país. Mas, até agora, nenhum desastre chocou mais do que o flagrante do furto de donativos para flagelados de Santa Catarina, praticados por voluntários e por soldados do Exército que ajudavam no socorro às vítimas da mais dramática enchente dos últimos tempos naquele estado. De repente, o país, que havia se comovido e se solidarizado com o sofrimento daquelas famílias, acompanhou revoltado pela televisão as cenas degradantes de pessoas que, embora não tenham sido atingidas pela enxurrada, subtraíram sem o menor constrangimento roupas, alimentos e objetos destinados a reduzir o sofrimento das vítimas da enchente. Um desastre moral.

Felizmente, esses aproveitadores da desgraça alheia são minoria. Mas o golpe que perpetraram não atingiu apenas os flagelados catarinenses. O assalto impõe uma reflexão sobre o tamanho do estrago que o sucesso da corrupção e a impunidade podem estar causando nos espíritos mais fracos deste país. Afinal, não têm faltado maus exemplos, oferecidos todos os dias por governantes, políticos, empresários e até magistrados que se locupletam, ora com o desvio do dinheiro público, ora com o ilícito comercial. Portanto, não se trata apenas de cobrar mais eficiência dos órgãos públicos responsáveis por receber e administrar o fruto da generosidade de milhares de brasileiros, essa sim, a virtude que melhor representa a média do nosso povo. É preciso reforçar os processos civilizadores e de transmissão de valores morais, a começar pela educação e pelo funcionamento mais ágil e eficaz da Justiça.

Se há gente roubando de quem perdeu tudo, a culpa não é só da insuficiente segurança do depósito de donativos. A coisa é muito mais grave. Na verdade, estamos falhando em construir uma sociedade fundada na ética, e não na esperteza do egoísmo; no trabalho, na honradez, e não na malandragem e na frouxidão de caráter. Que prevaleça o exemplo de Daniel Manoel da Silva, o catarinense que perdeu netos, um irmão, a casa, o trabalho e, mesmo assim, mandou devolver R$ 20 mil, esquecidos num casaco de pele que sua família recebeu em doação. "Esse dinheiro não era para mim. Não é certo usar o que não é seu", disse ele. Foi o bastante para resgatar a verdadeira índole do povo de seu estado e promover uma enchente de esperança nas pessoas de bem de todo o país.

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