E o rádio digital? Uma análise responsável


O rádio digital, mesmo nos países de origem, tem ainda muitos problemas, que precisam ser solucionados antes de tomarmos uma decisão que terá um impacto direto nas comunicações
Hélio Costa, Jornalista, senador da República, ministro das Comunicações
O artigo de Nair Prata (3/12) sobre o projeto de rádio digital, em estudos no Ministério das Comunicações (Minicom), merece reparos em virtude dos inúmeros equívocos cometidos pela autora. O primeiro é não ver que a TV digital está com o seu cronograma de instalação adiantado em 18 meses e que, em apenas um ano, desde seu lançamento, em 2 de dezembro de 2007, cerca de 46% da população brasileira, inclusive a de Belo Horizonte e região, já tem cobertura de TV digital. Os Estados Unidos levaram 10 anos para chegar a esse índice em um país que tem aproximadamente a mesma extensão territorial do Brasil. Diferentemente da TV, o rádio digital continua enfrentando sérios problemas nos seus países de origem. Em retrospecto, quando chegamos ao Ministério das Comunicações, há três anos, algumas das principais emissoras brasileiras já estavam testando, sem observação de normas técnicas, o sistema norte-americano IBOC de rádio digital. O grupo de trabalho que criamos para supervisionar as decisões sobre o rádio digital sugeriu a realização de testes oficiais e rigorosos com o IBOC e também com os padrões europeus. O nosso objetivo é encontrar as ferramentas básicas de um sistema que transmita em ondas médias (OM) e freqüência modulada (FM), de modo a que o receptor do rádio digital possa captar as transmissões no sistema analógico atual, em OM e FM, e passar automaticamente para o digital onde a tecnologia estiver disponível. Caso contrário, precisaríamos de três receptores diferentes: um para o rádio analógico que você tem em sua casa ou no carro, um para captar a transmissão em FM digital e outro para captar a transmissão em ondas médias ou OM digital.

Os padrões norte-americano e europeu de rádio digital têm diferenças fundamentais. Enquanto o IBOC transmite no mesmo canal, sem utilização de um novo espaço no espectro eletromagnético, tanto em OM quanto em FM, o europeu DAB (digital audio broadcasting) , precisa de freqüências diferentes para a transmissão em ondas médias e não faz transmissões em FM, ou freqüência modulada. O DRM, por sua vez, também só transmite em OM e precisa de novos canais, impossibilitando a sua utilização nas principais cidades brasileiras. Só recentemente o padrão europeu DRM informou que está estudando um sistema de freqüência modulada, transmitido no mesmo canal, no sistema digital. A empresa IBiquity, detentora da patente do IBOC, ou Radio HD, se prontificou a trazer os equipamentos para os testes que estão sendo conduzidos no Brasil pela Universidade Mackenzie, supervisionados pelo Ministério das Comunicações, Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Os europeus, entretanto, até agora, não viabilizaram a aparelhagem necessária às medições de campo, fundamentais para uma avaliação científica e correta dos seus padrões. Outra questão que os três sistemas precisam resolver é a transmissão em baixa potência, que ainda não está definida, para que o rádio digital, no Brasil, não exclua as rádios comunitárias autorizadas, principais instrumentos de interação dos bairros e pequenas comunidades. Na verdade, esperamos que os EUA e a Europa resolveram os problemas que encontraram na implantação do rádio digital e que impediram, até agora, a sua popularização.

Vejam os exemplos: a edição do Wall Street Journal de 4 de novembro trouxe um artigo assinado pela editora de tecnologia Sarah McBride, no qual diz que “apesar dos milhões de dólares gastos no desenvolvimento e divulgação do Rádio Digital HD, os consumidores, até agora, não têm informações suficientes e ainda não demonstram qualquer entusiasmo pela nova tecnologia”. A revista Radio World, editada por engenheiros de rádio, em artigo de Paul J. McLane, diz que apenas 0,0015% dos norte-americanos ouvem o rádio digital, que está sendo testado comercialmente por 1,8 mil rádios de um total de 13 mil emissoras existentes no país. A FCC, a agência reguladora norte-americana, informa que o Radio HD cobre, atualmente, só 1,5% do território norte-americano e que tem apenas 450 mil usuários em uma população de 300 milhões de pessoas. A revista Radio World critica, também, o preço do receptor de rádio digital nos EUA: US$ 80 (R$ 170), o mais barato. Imagine a que preço esse rádio chegaria ao Brasil. Na Europa, a implantação do rádio digital também está com enormes problemas. A conceituada publicação Observatório do Direito à Comunicação, em 22 de fevereiro deste ano, fez uma análise crítica da questão sob o título “A transição para o rádio digital ainda está em xeque na Europa”. O artigo relata o “relativo fracasso do rádio digital, em ondas médias, reafirmando que os testes demonstraram que a qualidade do áudio do sistema DAB ou transmissão de rádio digital é pior do que o áudio da transmissão FM analógica”. O jornal inglês The Guardian, por sua vez, foi ainda mais incisivo na observação técnica que fez, e reproduziu assim o pensamento dos radiodifusores europeus: “Nós temos medo de dizer isso publicamente, mas, se pudéssemos, todos nós (dirigentes de rádios digitais) devolveríamos nossas licenças de DAB amanhã”. O analista de mídia do Dresdner Kleinwort, Richard Menzies-Gow, completou: “Os custos são altos e o formato não gera lucro”.

Como se vê, claramente, nem mesmo nos Estados Unidos e na Europa o rádio digital está aprovado. O Brasil está atento a tudo isso e só tomará uma decisão quando ela for tecnicamente correta e atender o interesse público. A demora não é nossa. O rádio digital, mesmo nos países de origem, tem ainda muitos problemas que precisam ser solucionados antes de tomarmos uma decisão que terá um impacto direto nas comunicações, na indústria eletroeletrônica e principalmente nas políticas públicas de inclusão digital. Por outro lado, como fez na decisão da TV Digital, o Governo Brasileiro não escolherá “um sistema de rádio digital até o fim de 2008”, como diz equivocadamente a articulista. Vamos indicar as ferramentas que devem compor a arquitetura do rádio digital. Na verdade, entre outras exigências, já amplamente divulgadas, o sistema terá de contemplar a transmissão em FM e OM, no mesmo canal, cobrir todas as zonas de sombras do rádio analógico, dar à indústria brasileira acesso aos detalhes técnicos do padrão, promover a transferência de tecnologia e não ter custo para o rádio-ouvinte.

Assim, ao contrário do que diz um e-mail divulgado pelo Núcleo de Pesquisa de Rádio e Mídia, e citado pela articulisa Nair Prata no Estados de Minas, o Minicom não propôs qualquer parceria com a empresa americana IBiquity. O que sugeriu foi que as indústrias brasileiras de eletroeletrônicos procurem os detentores das patentes dos sistemas norte-americano e europeus para discutir a transferência de tecnologia e os direitos de uso, especialmente do IBOC estadunidense, um sistema proprietário e com várias ferramentas exclusivas que demandam pagamento de royalties. Os mais recentes testes do rádio digital, realizados na cidade de São Paulo pela Universidade Mackenzie, concluíram, em julho último, que o IBOC, em ondas médias, apresenta sérios problemas de propagação, com áreas de sombra maiores do que as que são observadas no sistema analógico. O sistema europeu, DRM, por sua vez, só agora anuncia que está trabalhando com a possibilidade de transmissão em FM, no mesmo canal. Ainda ao contrário do que diz a articulista, o Ministério das Comunicações não defendeu, e nem defende, a adoção de qualquer dos sistemas estudados enquanto os técnicos do Minicom e da Anatel não estiverem satisfeitos com os testes que estão sendo realizados no Brasil e forem criteriosamente avaliadas as experiências com o rádio digital nos EUA e na Europa. Certamente, precisamos modernizar o rádio, mas só podemos fazer isso quando os sistemas estiverem funcionando a contento, seguindo as normas técnicas exigidas no exterior e no Brasil.

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